#Salvadorable

    Não há explicação para o mistério. E a epifania dos irmãos Sobral é assim que deve continuar: inexplicável. A magia é para sentir, arrepiar peles nuas, tocar corações, colocar sorrisos apalermados nas bocas de milhões de pessoas que ouvem “Amar pelos dois” sem perceber patavina do poema cantado em português,que fala afinal daquilo […]

  • 8:54 | Sexta-feira, 19 de Maio de 2017
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Não há explicação para o mistério. E a epifania dos irmãos Sobral é assim que deve continuar: inexplicável.


A magia é para sentir, arrepiar peles nuas, tocar corações, colocar sorrisos apalermados nas bocas de milhões de pessoas que ouvem “Amar pelos dois” sem perceber patavina do poema cantado em português,que fala afinal daquilo que nos une ao menos uma vez na vida: a queixa mansa de quem lamenta baixinho um amor longínquo, um amor irremediável, um queixume melancólico, a promessa de quem atravessado de um lado ao outro pela seta mortífera do amor para sempre, promete fazer de um único coração o coração de dois.

 

E de quantas partes é feita a magia?

Luísa Sobral faz a parte invisível da magia que é criar no espaço onde antes havia o silêncio, esta coisa extraordinária feita de notas musicais e palavras. Em português, a língua doce. E se as palavras já existiam todas e as notas musicais também, enredá-las umas nas outras, atá-las para sempre nesta tessitura extraordinária é como fabricar estrelas: impossível de explicar, obrigatório ouvir.

 

Depois o irmão Salvador.

De quantas coisas nos salvou este rapaz? Uma lista interminável de atavismos morreu com este intérprete.

A começar pelas certezas de programadores, editores, decisores e outras profissões que soam como horrores, que nos condenam a todos há décadas à ditadura da playlist, do estafado formato televisivo, do garantido sucesso, do mais do mesmo, do temos de dar-lhes o que eles gostam, do popularucho, da banalidade hedionda a fingir-se arte– telelixo, audiolixo, livrolixo.

Salvos também do medo de ser genuínos e simples, de sermos os pobrezinhos do festival, da mania festivaleira de cantar em inglês, de sermos Maria vai com as outras, entupidos em brilhos, coreografias ridículas e fogo-de artifício a soar a falso.

Porque é que não esqueceremos esta canção? Porque  nos faz sentir alguma coisa, (a Arte esse  extraordinário feitiço que expressa alguma coisa capaz de nos tocar, capaz de nos fazer chorar, sorrir, ficar sombrios ou eufóricos, a Arte essa louca forma de vida…) porque o Salvador é todo música, é todo emoção, é todo performance, no sentido em que de cada vez que interpreta conta uma história, e conta-a  de forma tocante, única e comovente.

De cada vez acreditamos que ele implora a volta de um amor perdido e afinal quem escreveu a música foi a irmã. E se acreditamos que é ele que implora é porque ele é um enorme artista, com o talento raro que só mora em alguns poucos, os poucos que se transformam de cada vez que cantam, tocam, pintam, representam, escrevem, esculpem, filmam, fotografam. E que ao transformarem-se mudam um pouco o mundo. O mundo não fica igual depois de cada pedaço de arte lançado ao mundo.

 

Fica-se mais rico, mais profundo, mais sereno, mais inquieto, mais solidário, mais curioso, mais perto, mais feliz, mais triste, mais revoltado, mais apaixonado, mais gente, mas com a certeza confirmada pelo impressionante silêncio que se escuta no público quando ouve a música portuguesa que nos colocou nas bocas do mundo, que de certeza  – de certezinha –  ” não se ama sozinho“.

Ó Salvador, tens ideia do que fizeste por este país?

 

(foto DR)

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