Ricardo Costa não tem razão

A política de transportes ficou parada num apeadeiro deste 2009, quando Ana Paula Vitorino saiu do Governo, e regressou em 2017, quando Pedro Nuno se viu ministro. Muito tempo. E um tempo em que, pelo meio, Sérgio Monteiro tentou vender tudo o que tinha à mão.

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  • 22:22 | Quinta-feira, 09 de Março de 2023
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Na última edição do Expresso em papel, que eu já só vejo na forma digital desde que o Henrique Monteiro inventou a coisa de por o jornal nos nossos ipads, Ricardo Costa fazia publicar um texto a que deu o nome “A casa e o transporte”.

Nele tenta abordar as questões dos transportes nas áreas metropolitanas e, de passagem, dá uma bicada no pacote para a habitação.

Costa, este Costa que leio religiosamente há décadas, aborda uma questão central nos nossos dias – como viver nas grandes cidades sem ter um bom sistema de mobilidade. Mas entra por um caminho que não pode deixar de receber reparos, por lhe faltar agregação à realidade.


Há, porém, um primeiro elemento que importa ter em conta – Lisboa é uma piquena metrópole, muito piquena mesmo numa relação com as capitais europeias; o Porto não é sequer uma metrópole, porque lhe faltam os elementos básicos dessa mesma consideração, como sejam as trocas constantes de serviços a partir do município centro ou a liderança efetiva em termos de densidade populacional. Se quisermos, a chefia da chamada “área metropolitana do Porto” é assente em três municípios – Vila Nova de Gaia, Porto e Matosinhos, sendo que este último concelho assume hoje uma estrutura política, económica e social superior à do Porto com exceção dos universos da saúde e do ensino superior.

É por isso que Costa não deve comparar a estrutura de transportes públicos do Porto com a de Lisboa. O Porto assenta na CP com uma capilaridade que tem quase um século, nos STCP que se foram mantendo mais agregados ao território apesar da ausência de investimento nas primeiras duas décadas deste século, e o Metro que está em construção há três décadas e que ainda tem a infraestrutura e o material circulante em excelentes condições.

Lisboa é uma coisa bem diferente. Desde logo pelo crescimento na outra margem que resultou da urbanização das últimas quatro décadas do século passado; depois, porque o metro em Lisboa andou menos bem sob o ponto de vista da sua capilaridade e da sua qualidade quando comparamos com outras realidades europeias; e, por último, porque a flexibilidade das empresas para o tempo corrente, fruto de um presença do Estado, muito afirmada durante décadas e com levas de pessoal e material ociosos, criou despesa que carece, no tempo de hoje, de qualificação.

Os transportes em Lisboa tiveram uma pequena revolução nos últimos oito anos. Regressou o investimento em infraestruturas e em equipamentos, compatibilizaram-se as redes de oferta pública e privada, afirmaram-se subsidiariedades, beneficiaram-se as tarifas e alargaram-se os universos free.

Importa dizer, antes de entrar com mais cuidado nas questões sobre Lisboa, que Portugal está a fazer o maior investimento das nossas vidas em ferrovia. A aquisição de material circulante, a recuperação do muito que estava encostado, a reabertura das oficinas ferroviárias e a nova fábrica de composições que recuperará o simbolismo da antiga Bombardier, não são epifenómenos, são realidades. São 117 comboios em aquisição, sendo 62 para as chamadas áreas metropolitanas. Valor – 819 milhões de euros.

E também importa dizer que temos uma situação hoje, no espaço metropolitano de Lisboa, que diz bem da forma como o transporte público está a captar clientes – a CP foi o único operar que já transportou, em 2022 e nas linhas que aportam à capital, mais passageiros do que tinha acontecido em 2019, antes da pandemia.

 

 

Quem faz a linha e Sintra ou viaja na da Azambuja sabe que a oferta é maior e os comboios são melhores, muitos foram requalificados. Esta mudança permitiu eliminar as supressões  que chegaram a ser de dois serviços a cada hora de ponta. Em 2018 a situação era dramática, em 2022 ainda não é ótima, mas melhorou muito.

A Carris Metropolitana está em acertos, mas quem anda de transportes públicos já nota a diferença, como notará também, não tarda, os efeitos do alargamento da rede do metro do Rato para o Rio.

Todas as pessoas que viajam na linha de comboio que nos liga a Cascais sabem que o abandono era evidente. Trata-se de uma linha com mais do que uma função, o turismo assume aqui relevante penetração. O atraso na renovação do parque é nítido e a resolução do problema tardava. Está resolvido, como Carlos Carreiras bem disse em meses passados.

Se Ricardo Costa tivesse dito que o muito que foi feito nestes últimos anos ainda não chega, teria um aplauso. Os primeiros seriam de Pedro Nuno Santos e João Galamba. Mas não, optou pelo lado estreito do funil e só viu problemas. Viremos, pois, esse funil e alargue-se o horizonte do que se quer ver com olhos de ver.

Ai Weiwei escrevia no Público de domingo que o Ocidente perdeu a capacidade de sofrer. Eu diria que um problema maior é a perda da paciência para ver acontecer. Ricardo Costa também não terá muita.

A política de transportes ficou parada num apeadeiro deste 2009, quando Ana Paula Vitorino saiu do Governo, e regressou em 2017, quando Pedro Nuno se viu ministro. Muito tempo. E um tempo em que, pelo meio, Sérgio Monteiro tentou vender tudo o que tinha à mão. Não houvesse uma mudança política e teríamos hoje em Lisboa uma enorme Barraqueiro com autocarros das sobras alemãs a transportar pessoas como se transportam mamíferos bunodontes no Oeste. A mudança vai continuar.

 

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Publicado em Opinião