No início de Julho, seguramente, deram conta dos problemas com o abastecimento público de água no Concelho de Nelas. Durante vários dias (houve cidadãos que estiveram cinco dias) faltou a água nas torneiras das casas e empresas do Concelho.
A época é muito dada a exacerbações eleitorais, mas, parece-me, são mais que justificadas. Pena é que esses nervos à flor da pele não sejam, nestes assuntos, constantes. A Câmara Municipal de Nelas justificou a disrupção com “limpeza na Estação de Tratamento de Água de Fagilde” e no “aumento dos consumos por parte dos munícipes, não descriminando que consumidores (se industriais, comerciais ou domésticos) estavam a “viver acima das suas possibilidades” liquidas.
No início deste mês, Fernando Ruas, presidente da Câmara Municipal de Viseu, que tutela e possui os SMAS de Viseu, afirmava ao Diário de Viseu que “a Câmara Municipal de Mangualde devia mais de 300 mil euros” de água aos SMAS de Viseu. No dia seguinte, Marco Almeida, presidente da Câmara Municipal de Mangualde, garantia que isso não era verdade e que “Mangualde não devia um cêntimo a Viseu”. Tendo em conta os protocolos que regulam o fornecimento de água a Nelas, logo afiancei que era bem possível que ambos os presidentes estivessem a dizer verdade. Viseu podia ter 300 mil euros de dívidas de Mangualde e, simultaneamente, Mangualde não dever nada a Viseu (porque Nelas, eventualmente, não tendo pago a Mangualde o que lhe devia, o dinheiro não chegaria a Viseu a não ser que Mangualde pagasse o que Nelas e Mangualde consumiam).
Uns dias mais tarde, a 5 de Julho, no calor das torneiras vazias em Nelas, que deixaram cidadãos e empresas sem pinga durante vários dias, tivemos a CM de Nelas a “garantir” na sua página do Facebook que “não tem nenhum pagamento ou situação por regularizar com os outros Municípios ou com o sistema da ETA de Fagilde.”
Agora que é pública uma acta da Câmara de Mangualde de 17 de Julho, podemos aferir que, aparentemente, para o executivo da CM de Nelas a “verdade” é um conceito que pode ser muito plástico, que poderá querer dizer muita coisa, uma verdadeira novilíngua ao estilo orwelliano, digna do “Ministério da Verdade” de 1984, que se escreve conforme as conveniências deles próprios. Nessa reunião, de acordo com a acta (ver imagem), a “dívida já existe há alguns meses, e que neste mandato se avolumou significativamente com o atual executivo de Nelas.” … Sabe-se também que o executivo de Mangualde “tem vindo a alertar a Câmara Municipal de Nelas para que regularize essa dívida, tendo já ocorrido algumas reuniões com o Presidente e a Vice-Presidente, bem como trocas de resposta em relação a essa matéria.”. Somos igualmente informados que o executivo de Mangualde, pese embora existirem “mecanismos disponíveis para cobrar essa dívida, incluindo a cobrança coerciva por execução fiscal e a possibilidade de interrupção do fornecimento de água”, não os accionará porque aposta na “relação entre instituições”, com “bom senso e racionalidade, pois os consumidores de Nelas pagam a água e a gestão da autarquia é que deve ser responsável por resolver essa situação, diferentemente de outros municípios que ameaçam interromper o fornecimento mesmo com faturas em dia.”. Tudo dito, certo?!
Mais à frente, nessa mesma reunião, elucida-nos que “o valor em dívida é de aproximadamente 420 mil euros (a 17 de Julho) e que desde que perceberam que o saldo decorrente com Nelas aumentava de forma recorrente, começaram a aplicar juros de mora, que já representam dezenas de milhares de euros, imputados à Câmara Municipal de Nelas. Uma das primeiras medidas foi justamente a aplicação desses juros. Mencionou que há uma fatura, há alguns meses, apenas de juros.”
Também ficámos a saber que a dívida era muito maior pois “informou que nos últimos meses essa dívida reduziu, uma vez que houve uma amortização significativa e a expectativa é que até ao final do ano possa diminuir ainda mais.”, pois, ao que parece, já depois de ter começado a crise da falta de água, foi pago a 2 de Julho, o que estava em dívida até Janeiro de 2025.
Como os munícipes de Nelas pagam todos os meses a tempo e horas a água e como, aparentemente, a CM de Nelas não transfere esse dinheiro para Mangualde, então terá de explicar o que faz a esse dinheiro mensalmente, sabendo que, com essa “gestão” estão a potenciar que os cidadãos fiquem sem água para viver. Sabemos que as “logomarcas”, embora brilhem, não são nada transparentes.
Talvez valesse mais investir na Estação Elevatória de Tabosa e nos seus adutores, como recorrentemente a CM de Mangualde insiste há anos com a CM de Nelas que façam, aproveitando os fundos comunitários, dando uma resposta cabal ao solicitado e proporcionando segurança no abastecimento ao invés de se apostar em planos de emergência had-oc.
Mas por aqui se vê o respeito que têm por todos nós, tratando-nos por néscios, encharcando-nos de tretas para salvar o pelo. Quantas e quantas situações, em que nos garantem que é de uma forma, haverá em que a verdade nos é sonegada? Quantas promessas de intervenções, de obras, de protocolos, terão a mesma validade da “garantia” dada a 5 de Julho, de que “nada se devia em água”?
Lá mais para a frente, de Novembro em diante, muito se saberá.