Portugal não é a “Chegalândia”!

E perante este ataque brutal do governo contra os direitos de quem trabalha em Portugal (sabendo-se que meio milhão de trabalhadores vive no limiar da pobreza), que faz André Ventura?

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  • 17:20 | Quinta-feira, 20 de Novembro de 2025
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No passado dia 8 de Novembro, teve lugar em Lisboa uma gigantesca marcha nacional, convocada pela CGTP, contra o “Pacote Laboral” do governo PSD/CDS, apoiado pelo Chega (CH) e pela Iniciativa Liberal (IL).

O governo chamou-lhe “Trabalho XXI”, mas já o alcunharam de “Trabalho XIX” em alusão ao retrocesso legislativo que resultaria deste ataque político-ideológico contra os trabalhadores, ao serviço dos grandes patrões mais exploradores, que vivem dos baixos salários.

Trata-se de alterar mais de cem artigos do Código Laboral para facilitar os despedimentos sem justa causa, desregular os horários de trabalho (que poderão chegar a 50 horas semanais), permitir a renovação ilimitada de contratos a prazo para quem nunca teve contrato permanente,  limitar os direitos de greve, de liberdade sindical e da conciliação trabalho-família e destruir a contratação colectiva que há vinte anos abrangia quase 2 milhões de trabalhadores e hoje já está reduzida a metade. 

Por isso, a CGTP e a UGT (com o apoio expresso dos TSD – Trabalhadores Social-Democratas) já convocaram uma Greve Geral para 11 de Dezembro, a primeira conjunta em doze anos, desde a austeridade imposta pelo governo Passos/Portas, “mais troikista do que a troika”.


No dia seguinte, também na Itália, governada pela extrema-direita de Meloni, está convocada uma Greve Geral “contra a austeridade, o rearmamento e por salários com direitos e democracia”.

E perante este ataque brutal do governo contra os direitos de quem trabalha em Portugal (sabendo-se que meio milhão de trabalhadores vive no limiar da pobreza), que faz André Ventura? O candidato presidencial da extrema-direita vem defender o governo contra a greve geral e  justifica  o regresso do banco de horas individual (permite o aumento do horário semanal) que considera um factor de liberdade para o trabalhador, como se este não fosse a parte mais indefesa perante os seculares abusos dos grandes patrões, que sempre arranjam formas mais ou menos subtis de contornar as leis.

Sem a luta dos trabalhadores, organizados, inicialmente nas corporações e confrarias de ofícios de manufacturas e, a partir do século XVIII, nas sociedades de socorros-mútuos que deram origem aos sindicatos operários da era industrial, nos EUA, Inglaterra, França… ainda hoje estaríamos com trabalho escravo ou quase, com horários de trabalho de 16 e 18 horas por dia (como na Suíça há 200 anos ou nos campos de Portugal até ao 25 de Abril,  a trabalhar de Sol a Sol), sem tempo para a família, o lazer ou o estudo e o descanso (8 horasX3), sem direito a fins-de-semana e a férias, muito menos pagas, sem abonos de família, sem segurança social, com trabalho infantil (usado e abusado no Portugal de Salazar (só se consegiu erradicar definitivamente no governo de Guterres). Foram séculos de lutas, com feroz repressão da polícia ao serviço dos grandes patrões e do Estado. Muito suor, lágrimas e sangue !

Será Ventura politicamente cobarde, como parece, já que só ataca e vocifera contra os mais fracos e os mais pobres, os imigrantes e os ciganos, ou não passa de um jagunço engravatado, serventuário dos grandes capitalistas “figuras da alta finança, gestores de fundos imobiliários, empresários de sucesso (da agropecuária aos transportes), membros de movimentos ultra-católicos, salazaristas convictos e descendentes de admiradores do nazismo” que lhe pagam campanhas e/ou o promovem, como denuncia o jornalista Miguel Carvalho, no livro “Por Dentro do Chega – A face oculta da extrema-direita em Portugal” (cuja leitura aconselho a todos os “ingénuos” chegófilos)? 

A mesma tática populista de Hitler para desviar as culpas do grande capital pela crise económica e social na Alemanha dos anos 30, apontando como “bodes expiatórios” os judeus, ciganos e comunistas, está a ser seguida hoje pela extrema-direita racista e xenófoba,com o rabo fascista de fora, em todo o mundo, dos EUA de Trump ao Reino Unido de Farage, passando pela Europa do Vox, da AfD, de Le  Pen, Meloni e Ventura.

Todos eles desviam as atenções para os imigrantes. Bastou ver Ventura, em Setembro, no congresso da extrema-direita europeia, em Madrid, ao lado de Abascal, a defender, aos berros, a prisão do primeiro-ministro de Espanha e a testemunhar o “orgulho tremendo” que sentiu com a “caça ao imigrante” em Múrcia.

Ventura mandou colocar cartazes gigantes com frases racistas e xenófobas, como “Isto não é o Bangladesh”, “Os ciganos têm de cumprir a lei” e “Os imigrantes não podem viver de subsídios”. Ora, os imigrantes, tal como os portugueses, só têm direito a subsídios, como, por exemplo, o de desemprego, se este tiver sido involuntário, e se descontaram para a Segurança Social. Os imigrantes são contribuintes activos, com os seus impostos e descontos, e têm dado um contributo indispensável para a sustentabilidade da Segurança Social (€3,6 mil milhões em 2024, 12,4% do total das contribuições). Todas as confederações patronais  pedem mais imigrantes para colmatar a falta de mão-de-obra em áreas como Agricultura, Pescas, Indústria, Comércio e Turismo. Mas a extrema-direita e a direita que a gerou querem dificultar o acolhimento e a legalização dos imigrantes para que estes fiquem mais desprotegidos e se sujeitem às máfias dos “passadores” e dos empregadores sem escrúpulos que os exploram aproveitando as suas fragilidades.

Ventura terá de ser responsabilizado política e criminalmente por continuar a ofender e estigmatizar os portugueses ciganos. Se alguém devia ser instado por Ventura a respeitar a lei deviam ser, em primeiro lugar, os 23 deputados e outros dirigentes do Chega que já se cruzaram com a Justiça, incluindo ele próprio (acusado e condenado num processo civil) e outros que já foram acusados ou condenados por vários crimes: roubos, fugas ao fisco, dívidas, pedófilia, violações, agressões a mulheres e até a deputados do mesmo partido, pertença a uma ex-organização terrorista, segregação racial, incitamento ao ódio e à violência, falsas presenças no Parlamento, difamação, imigração ilegal, atear incêndios florestais (fonte: CNN Portugal e revista Sábado). A militante nº 3 do Chega, Fernanda M. Lopes, advogada, dá razão à queixa de Garcia Pereira para a extinção deste partido por  violação da democracia interna imposta pela Constituição e concentrar excessivamente o poder no presidente do partido, pelo que estaria a funcionar ilegalmente, violando resoluções do Tribunal Constitucional.

Várias associações ciganas e anti-racistas apresentaram queixas-crime contra Ventura, exigindo a retirada dos cartazes racistas e xenófobos.  Milhares de pessoas (e a Comissão Nacional de Eleições) dirigiram queixas à Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público já abriu um inquérito.

Shamin Hussein, jovem do Bangladesh que trabalhava na Costa da Caparica, numa mercearia e como estafeta da UberEats, foi assassinado ao resistir ao roubo da sua bicicleta por dois portugueses. Deixou uma filha de 2 anos. Há meses, um lojista bangladeshi foi assassinado à frente da mulher e filhas, no Feijó. Um jovem sick foi assassinado dentro de casa, em Setúbal, com uma caçadeira, por dois arruaceiros. Em Outubro, Rachhpal Singh, um sikh de turbante, de 29 anos, engenheiro mecânico de formação, que vive há seis anos em Portugal, onde trabalha legalmente, foi brutalmente agredido numa estação de serviço, em Oeiras, por neonazis do grupo 1143 que lhe roubaram o telemóvel.

O “1143” foi fundado pelo neonazi Mário Machado que cumpre 2 anos e 10 meses de prisão por incitamento ao ódio e à violência e já apelou ao voto no Chega.  O vice-presidente do Chega, Pedro Frazão, enviou uma mensagem de apoio ao grupo supremacista Reconquista, reunido na Maia, com dirigentes do AfD alemã e neofascistas de vários países, a quem se referiu como “aliados do Chega” na luta pela “remigração” (deportação forçada de imigrantes e seus descendentes a viver e trabalhar em Portugal). O líder deste grupo neonazi defende a retirada do direito de voto para as mulheres, que considera menos inteligentes, e já está referenciado na PJ e no RASI por difundir mensagens de ódio contra muçulmanos e imigrantes. 

Lembram-se das imagens de cidadãos do Bangladesh e outros imigrantes (do Brasil, Nepal e Índia) a ajudar a combater fogos florestais no Norte e Centro de Portugal, neste Verão?

Então, façamos nossas as palavras de Sohel Murshed, professor no IST, em Lisboa, onde vive desde 2010, um dos maiores investigadores mundiais em nanofluidos e engenharia aeroespacial, a propósito do cartaz de Ventura: “Não fazer nada é ser cúmplice desse discurso contra um país inteiro”.

Eu já fiz a minha parte: também enviei uma queixa contra o Chega por incitamento ao ódio e à violência. Mais uma que o Ministério Público remeteu para o Procurador-Geral da República.

Isto não é a “Chegalândia”!

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Publicado em Opinião