PEA, ética de alteridade e enfermagem de saúde infantil e pediatria

O medo, falta de apoio, incompreensão e abandono foram alguns dos sentimentos referidos por famílias de crianças com TEA. As dificuldades apresentadas ao nível da comunicação e interação social, hipersensibilidade a estímulos e interesses específicos e esteriotipias, tornam mais desafiadora a arte do cuidar destas crianças.

Tópico(s) Artigo

  • 9:51 | Sexta-feira, 16 de Maio de 2025
  • Ler em 5 minutos

Introdução:

 

De acordo com o DSM-5, o autismo é uma condição médica do sistema nervoso central, que se manifesta na infância, cujas características essenciais passam por dificuldades persistentes na interação social e comunicação recíproca, comportamentos repetitivos e estereotipados e restrições ao nível dos interesses e das atividades desenvolvidas, que limitam e prejudicam a funcionalidade dos indivíduos. É habitualmente diagnosticado na infância e, considerando que as suas manifestações variam muito de acordo com a gravidade da patologia, com o nível de desenvolvimento e da idade cronológica, designa-se por transtorno do espetro autista (TEA). O TEA tem sido amplamente estudado e embora se considere estar associado a aspetos genéticos, imunológicos, cerebrais e ambientais, os motivos do seu desenvolvimento ainda não estão bem definidos.


Muito embora a prevalência do TEA varie muito de acordo com as metodologias de estudo e as populações que são avaliadas, todos os estudos apontam, nos últimos anos, para um aumento crescente de casos. Em Portugal, no estudo de 2020 sobre a Prevalência do TEA na região Centro de Portugal, concluiu-se que a prevalência global de crianças com esta patologia é de 5 em cada 1000, resultados comparáveis com os de diversos países do estudo ASDEU (Rasga, et al, 2013). Considerando estes resultados, bem como as características essenciais do TEA, pareceu-nos importante avaliar qual o seu impacto no seio familiar.

Vários são os estudos que avaliam as dificuldades experienciadas pelas famílias com crianças com TEA. Nogueira & Rio (2011) salientam que muitas são as implicações que uma criança autista gera na sua família, evidenciando as dificuldades económicas, a falta de apoio e a negligência. Moraes, Bialer, & Lerner (2021) após a revisão bibliográfica sobre os possíveis efeitos do autismo nas relações familiares, concluíram ser absolutamente necessário que os profissionais, que interagem com crianças com TEA, tenham, para além das suas competências formativas, disponibilidade ética e de recetividade para toda a família.

O termo humanização nos cuidados de saúde envolve o respeito pela individualidade do outro, isto é, o profissional que presta cuidados de forma humanizada deve ser capaz de se entender a si mesmo e ao outro e, através de valores como o respeito, escuta ativa e empatia, estender esse conhecimento para a sua forma de atuar, com consciência plena dos valores e princípios que norteiam a prestação de cuidados. Para Almeida (2013), a alteridade é fundamental para uma relação humanizada, uma vez que a qualidade da relação que se estabelece entre os sujeitos envolvidos no processo de cuidar se baseia numa ajuda especializada singular.

Ora o Enfermeiro de Saúde Infantil e Pediátrica, tal como consta do Regulamento das competências especificas da Ordem dos Enfermeiros, estabelece com a criança e família uma parceria de cuidar, potencializadora da gestão do regime terapêutico e da parentalidade. De acordo com a Ordem do Enfermeiros (2018), é no respeito pelo binómio criança/família que o Enfermeiro de Saúde Infantil e Pediatria estabelece a sua comunicação e intervém de acordo com as suas características, privilegiando os seus interesses, costumes e vontades, por forma a estabelecer um plano de cuidados capaz de dar resposta às necessidades identificadas. Salvaguardando o superior interesse da criança, o Enfermeiro de Saúde Infantil e Pediatria deve ser capaz de mobilizar conhecimentos e habilidades próprios da especificidade da sua especialização, para que, em conjunto com a família, se identifiquem os focos de instabilidade e desta forma se encontrem estratégias capazes de dar resposta a este processo. Para tal, deve ser capaz de capacitar a criança e a família de estratégias de coping e de adaptação, adequando o suporte familiar, e dotando-os de informações baseadas na evidência, auxiliando-os no recurso de apoios comunitários disponíveis.

 

Objetivos:

Compreender o TEA e a sua implicação no binómio criança/família

Percecionar o impacto dos cuidados prestados pelo Enfermeiro de Saúde Infantil e Pediatria, baseados na ética da alteridade na criança com TEA e sua família.

Material e Métodos:

Revisão da literatura utilizando as palavras “autismo”, “enfermagem” e “alteridade”, selecionando estudos que, independentemente da sua metodologia de investigação, incluíssem a perspetiva da criança com TEA e a sua família, sobre os cuidados de enfermagem disponibilizados.

Resultados e Conclusões:

Dos vários estudos revistos perceciona-se o impacto negativo do TEA na vida da criança e na sua família. A infância é um período do ciclo de vida com etapas importantes do desenvolvimento que, por si só, requerem necessidades específicas e capacidade de adaptação, quer pela criança, quer pela sua família. Particularmente as crianças com TEA, fruto das características associadas à patologia, deparam-se com mais e maiores desafios.

O desenvolvimento da dinâmica familiar com crianças com TEA acarreta transição de papeis, problemas de saúde, com necessidade constante de intervenção de equipas multiprofissionais, desafios económicos, sociais e educacionais. O medo, falta de apoio, incompreensão e abandono foram alguns dos sentimentos referidos por famílias de crianças com TEA. As dificuldades apresentadas ao nível da comunicação e interação social, hipersensibilidade a estímulos e interesses específicos e esteriotipias, tornam mais desafiadora a arte do cuidar destas crianças. Mas é precisamente aqui que consideramos fundamental, e até mesmo diferenciadora, a intervenção do Enfermeiro de Saúde Infantil e Pediatria, uma vez que este profissional se encontra munido de estratégias científicas mais específicas no âmbito dos cuidados infanto-juvenis e é preparado para incluir também a família no plano de cuidados. Considera-se que estes profissionais deverão ser capazes de tornar o atendimento mais humanizado e, desta forma, proporcionar o melhor atendimento das necessidades identificadas, garantindo o bem-estar da criança e família. É imprescindível que os cuidados de enfermagem prestados sejam realizados em ambiente acolhedor e seguro, quer para a criança, quer para a sua família. É fundamental que o Enfermeiro seja dotado de competências relacionais e técnico-científicas capazes de avaliar corretamente estas crianças e famílias, de forma a que a sua intervenção vá de encontro às suas necessidades, mas também às suas capacidades, conseguindo, desta forma, minimizar o impacto do TEA na dinâmica familiar. A abordagem à criança autista e família deve ser holística e ética, proporcionando, assim, um verdadeiro cuidado baseado na alteridade. Percecionar o outro como uma alteridade, isto é, como uma pessoa singular e única, é uma responsabilidade infinita, porém permite cuidados melhores, mais adequados e mais eficazes.

 

Referências Bibliográficas:

Almeida, D. V. (março de 2013). A filosofia levinasiana numa experiência de cuidar em enfermagem: a humanização decorrente da alteridade. Revista de Enfermagem de Referência – Vol.serIII nº9 Coimbra.

Association, A. P. (2013). Manual diagnóstico e estatístico de Transtorinos mentais – DSM-5.

Enfermeiros, O. d. (12 de julho de 2018). Regulamento de Competências Específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica. Diário da República, 2ª série – nº133, pp. 19192-19194.

Galvão, D. M., Marques, C. S., Teixeira, D. N., & Cunha, M. P. (2018). O Enfermeiro e a família da criança com perturbação do espetro do autismo. International journal of development and educational psychology, vol 3, pp. 279-286.

Moraes, A. V., Bialer, M. M., & Lerner, R. (2021). Clínica e pesqueisa do autismo: olhar ético para o sofrimento da família. Psicologia em estudo – 26.

Mota, M. V., Mesquita, G. d., Silva, A. L., Silva, N. M., & Sousa, G. C. (2022). Contribuições da enfermagem na assistência à criança com transtorno do espectro autista: uma revisão da literatura. Revista Baiana de Saúde Pública – V46 nº3, pp. 314-326.

Nogueira, M. A., & Rio, S. C. (junho de 2011). A família com criança autista – Apoio de Enfermagem. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental nº5, Porto.

Plural, N. (out./dez de 2019). Infância, alteridade e cuidado. Reflexões para um campo em construção. Desidades.

Rasga, C., Santos, J. X., Café, C., Oliveira, A., Duque, F., Posada, M., . . . Vicente, A. M. (agosto de 2023). Prevalence of Autism Spectrum Disorder in the Centro region of Portugal: a population based study of school age children within the ASDEU project. Front Psychiatric.

 

 

Autores: Ângela Quinteiro, Diana Fernandes, Paulo Correia

 

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião