Paradoxos civilizacionais

Em Portugal, o número de pessoas em situação sem-abrigo aumentou 157%, num período de quatro anos – entre 2014 e 2018. Em 2020, a caraterização de sem-abrigos divulgada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social contava com novo aumento e indicava 8200 pessoas a viver sem-teto, com mais de metade das situações a ocorrer em Lisboa.

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  • 20:42 | Terça-feira, 08 de Março de 2022
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O turismo espacial já não é uma utopia para multimilionários, ainda que seja uma miragem para o cidadão comum. A fonte da juventude e a desejada longa vida fazem o seu caminho, vejam-se os projetos Calico Life Sciences, lançado pela Google, a Human Longevity ou a Altos Labs. A inteligência artificial já é omnipresente. “A tecnologia está a mudar o nosso pensamento, o conhecimento, a perceção e a realidade – e, ao fazê-lo, está a mudar o curso da história humana.” (Kissinger H., Schmidt E. e Huttenlocher D., 2021) Três exemplos que me parecem suficientemente ilustrativos dos avanços tecnológicos e científicos, muitos outros, talvez até mais relevantes, poderiam ser considerados.

Para que nos serve tanta evolução tecnológica e científica, se não conseguimos relacionar-nos civilizadamente e unir as nossas forças para acabar com as guerras, as epidemias, a fome no mundo, os sem-abrigo? São muitos os paradoxos civilizacionais.

Que sentido faz num país como os EUA, mais de 500 000 pessoas viverem nas ruas, em tendas, em carros, em cartões? A curta metragem documental “Lead Me Home” (Levem-me para Casa), disponível na Netflix, ajuda a compreender alguns dos motivos que podem levar uma pessoa a ter que viver na rua e as dificuldades que sente para de lá sair e voltar novamente à sua vida. Uma das frases do Luís é bastante elucidativa: “Sempre tive vontade de sair da rua. Simplesmente tem sido difícil.” Nos últimos cinco anos, Los Angeles, São Francisco e Seattle declararam estado de emergência quanto aos sem-abrigo. No documentário, realizado por Pedro Kos e Jon Shen, podemos observar os contrastes entre as tendas e os sumptuosos apartamentos, as filas para garantir a refeição diária e os luxuosos restaurantes, o último grito tecnológico e a lanterna na cabeça para ler alguns versículos, talvez na esperança de conseguir a ajuda de Deus. Uma realidade que se faz sentir em todo o mundo e afeta milhões de pessoas. Em Portugal, o número de pessoas em situação sem-abrigo aumentou 157%, num período de quatro anos – entre 2014 e 2018. Em 2020, a caraterização de sem-abrigos divulgada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social contava com novo aumento e indicava 8200 pessoas a viver sem-teto, com mais de metade das situações a ocorrer em Lisboa.

Outro paradoxo civilizacional, temos, novamente, a guerra na Europa. Os Russos estão a atacar a Ucrânia, matam soldados e civis, destroem alvos militares, zonas residenciais, escolas, creches, hospitais… A barbárie de um regime ditatorial e sanguinário que parece não ter limites, recorre mesmo à ameaça nuclear e não respeita o cessar fogo, aquando das conversações para desenhar possíveis soluções que ponham fim à agressão ao povo ucraniano. Um povo que sofre com um conflito sem fim à vista com consequências imprevisíveis para a Europa e para o mundo.


Para se entender melhor o que têm vivido os ucranianos nos últimos anos, deixo a sugestão de mais um documentário: Winter on Fire: Ukraine´s Fight For Freedom – The Next Generation Of Revolution.  Alerto para o fato de as imagens serem chocantes e visibilizarem a violência exercida, durante os 93 dias que durou a ocupação da praça Maiden, em Kiev, capital da Ucrânia, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014. Fica bem claro que a agressão russa, mesmo que por interpostas marionetes políticas, não começou em 24 de fevereiro de 2022, quando as tropas de Putin começaram os ataques a várias cidades ucranianas.

Os alunos russos tiveram uma aula virtual sobre os motivos e a suposta necessidade de invadir a Ucrânia e os perigos que a NATO representa. A palavra “guerra” está proibida. Os algozes propõem, pasme-se, corredores humanitários para a Rússia e Bielorrússia (um cinismo moral denunciado pelo presidente francês Emmanuel Macron). Quão colossal pode ser a insanidade de um homem?

Os tempos convocam-nos para uma revisitação da obra de Hannah Arendt, da qual destaco: Da Condição Humana; Nós Refugiados, Para Lá dos Direitos do Homem; Verdade e Política; Entre o Passado e o Futuro e As Origens do Totalitarismo.

 

(Fotos DR)

 

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Publicado em Opinião