O verdadeiro Estado da Nação

Há duas personalidades que importa relevar neste momento. A primeira é Rui Rio. Não vamos olhar para as pequenas questões do dia a dia, que sempre existem. Porém, Rio foi um Senhor em toda esta longa pena que Portugal viveu ao longo deste ano e meio.

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  • 18:20 | Quarta-feira, 21 de Julho de 2021
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Ao último grande momento parlamentar de cada sessão legislativa chamamos Debate do Estado da Nação. Por natureza não se trata de nenhum debate sobre a Nação, porque o tempo eu lhe está dedicado é insuficiente, porque o modelo é anacrónico e porque a Assembleia da República sofre do mesmo mal da sociedade portuguesa – deixa tudo para a hora última e a burocracia legislativa sobrepõe-se, no termo de cada ano político, ao que de importante existe.

O processo legislativo deveria ter, como termo, o dia 15 de julho, e os dez dias seguintes deveriam ser de avaliação de cada comissão parlamentar (1), de debate sectorial com cada membro do Governo (2) e de debate final, em plenário, sobre os grandes temas num tempo que nunca deveria ser inferior a dois dias.

No debate do Estado da Nação deste ano a abordagem é simples – a resposta à pandemia. Na nossa democracia de Abril é a primeira vez que a Assembleia da República troca argumentos sobre uma crise não provocada pelos portugueses, pela sua governação. As crises foram sempre económicas e da responsabilidade de alguém que a História identifica. A que vivemos não tem uma cara visível que possamos julgar e tem um Governo que teve de lhe fazer frente e nisso não pode ser levado à forca política.

Como reagiu o país à crise sanitária? Globalmente muito bem. E isso é uma chatice para as oposições.


Podemos discutir as questões de natureza constitucional que implicaram com o Estado de Emergência ou a insuficiência da Lei de Bases da Proteção Civil. Mas não é esse o tema que faz oscilar qualquer sondagem.

O que faria oscilar qualquer sondagem teria sido um número de infetados muito superior aos países do sul da Europa, e não foi; um número de mortos, sempre lamentável, que se tivesse destacado nas curvas das estatísticas europeias, o que não aconteceu; um processo de vacinação que tivesse descambado e estivéssemos a níveis do pior deste nosso velho continente, mas, para mal dos pecados dos mais críticos que se mordem todos os dias, somos o segundo melhor pais da Europa.

Não há nada de relevante a apontar? Há sim, duas coisas claras e que importa não esquecer. A primeira que se liga à inicial resposta de falta de leitura do que era o país, a ausência de comandos todo-terreno, para além do primeiro-ministro, que fizessem avançar as coisas sem pedirem licença; a segunda, que todas as lideranças partidárias devem assumir, a imponderação sobre a circulação no Natal de 2020, um caminho partilhado pelo Presidente da República, pelo Governo e por quase toda a oposição. Tivemos um início de 2021 dramático, mas o país não estava disposto a não ter Natal.

Olhemos agora para a resposta. Na saúde só podemos concluir que o SNS é uma das mais belas e relevantes construções da nossa democracia; no apoio social, depois do primeiro impacto nas residências de idosos, foi possível construir uma resposta integrada, sustentada pela parceria entre o Estado, as autarquias, as IPSS e as Misericórdias que cedo mostrou a sua flexibilidade e resiliência; na construção de uma estrutura de apoios extraordinários, através da figura do lay-off, para trabalhadores e profissionais liberais, que impediu a falência das famílias e das empresas; na determinação de um modelo de dilação para os créditos, também das famílias e das empresas, que vigorou durante quase um ano e meio com implicações significativas nos resultados dos grupos financeiros; as linhas de crédito para quase todas as atividades, em especial no turismo, que permitiram a não perda de valor e impediram o desaparecimento dramático de unidades produtivas essenciais para a recuperação.

Poderemos discordar de alguns dos objetivos do Plano de Recuperação e Resiliência. Eu discordo, mas eu não estou no Governo e não conheço todos os enquadramentos externos para esse PRR. No entanto, só poderei concluir que o plano português foi o primeiro a ser entregue e o primeiro a ser aprovado. É correta a opção por uma distribuição do investimento mais na segunda parte da sua vigência? Completamente. Num país com graves problemas de capital é relevante que se organizem as empresas, os interesses, os promotores para este novo instrumento. Não é mais um quadro europeu como os que vigoram desde 1986, é uma outra realidade que marcará o futuro da EU e da sua integração.

Perante o monoproduto político que é a pandemia só podemos ter um debate monotemático assente na pandemia. A pandemia foi o país entre parênteses, a política, o debate que lhe está associado só pode ser sobre um único objeto.

Há duas personalidades que importa relevar neste momento. A primeira é Rui Rio. Não vamos olhar para as pequenas questões do dia a dia, que sempre existem. Porém, Rio foi um Senhor em toda esta longa pena que Portugal viveu ao longo deste ano e meio. Na determinação do Estado de Emergência, nas medidas de apoio, na leitura que fez nos tempos críticos. Um líder da oposição é sempre o mais penalizado quando o país vive em Estado de Exceção e todos vivemos nesse enquadramento. Foi o PSD, não podemos esquecer, quando o PS negava ainda a dureza da pandemia, quem propôs o uso de máscara na rua e, por azar dos Távoras, teve de ser o PS a apadrinhar esta iniciativa de Rio, na sua última revisão.

A outra personalidade é um siamês político assente em duas pessoas. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, com as diatribes e teimosias que são conhecidas de ambos, funcionaram como se fossem um só, sem que os portugueses tenham, num olhar distante, nada a considerar de negativo. Marcelo obrigou Costa ao primeiro Estado de Emergência, Costa obrigou Marcelo a engolir a mais recente afirmação de que nunca voltaríamos a um novo Estado de Emergência. Em Trás-os-Montes os mais velhos olhariam para ambos e encolheriam os ombros desqualificando estes achaques.

No meio de tudo isto o país parou. António Costa ainda não começou a governar com o seu programa. Tudo porque a anterior legislatura foi marcada pela geringonça e esta, na sua primeira metade, pela pandemia. É por isso que eu sempre digo – Costa só começará a marcar o país em 2022 e quer fazer mais seis anos de mandato enquanto primeiro-ministro. As marcas nas agendas digital e climática são o seu objetivo. Para isso precisa de encontrar novos protagonistas, frescos e sábios. Precisa, também ele, de se reinventar.

 

(Foto DR)

 

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