Há uma clara degradação do debate político. Incomoda. Humilha os que estão por bem, que não têm de ver os seus nomes arrastados para o oceano de insultos soezes e para as ofensas gratuitas. E todos os que não têm nada a ver com a macacada, resguardam-se. Um aborrecimento. É a postura, a arrogância, a boçalidade, “predicados” que indignificam, prejudicam, diminuem. E contaminam a qualidade da democracia. E afastam quem gostaria de participar, intervir, contribuir. Não por culpa de todos, seguramente por culpa de um homúnculo.
Para se mostrar divergência, para se exibir pontos de vista diferentes não é preciso achincalhar, calcar, agredir. Não é por se interromper constantemente o adversário, nem por se falar mais alto, que se ganha a razão ou se atestam méritos.
Não saber conviver com a diferença, aviltar os opostos, apostrofar a divergência, apontar quem pensa de outro modo, é sinal de fraqueza intelectual, prenúncio de brutalidade cavernosa.
É o seresma viscoso, o trapeiro presidenciável, oco e pútrido. Não há uma ideia. Na conversa medra o ódio, cresce a perseguição, a vingança. Tudo a confundir, uma feira de aldrabices, com vozearia esganiçada e estridente.
De há muito para cá, num processo contínuo, a qualidade da democracia tem vindo a diminuir, a resvalar para a indigência de maneiras, para a pobreza de elevação, para uma diminuição de substância e densidade, muito por culpa de alguns dos seus protagonistas, gente que, para além da militância partidária, nunca fez nada na vida, agarrada às “jotas” e às suas quotas, rampas de acesso e elevadores sociais.
Como esquecer, então, Álvaro Cunhal, Mário Soares, Freitas do Amaral, Sá Carneiro, Vasco da Gama Fernandes, Fernando Amaral, Gonçalo Ribeiro Teles, Amaro da Costa, Pereira de Moura, Salgado Zenha, Ramalho Eanes? Como?
Há uma alteração substantiva do clima político. Nunca se viu nada do género. Estão a ultrapassar-se os limites da decência. Cada palavra é uma pedra da calçada, cada argumento é adaga afiada, cada diálogo um sabre envenenado.
Os debates tornaram-se um circo sem regras, com os moderadores num esforço inglório para conter os espasmos do indisciplinado. Os moderadores mais assertivos contêm o arruaceiro, mas os mais tépidos são abalroados pelos gestos mais intempestivos.
No limite, vira Calimero, vitimiza-se, queixa-se, com intonações lacrimosas e beatas. Em perda, lança gemidos agonizantes. O discurso é primário, cavo, um ludíbrio, um embuste, uma falcatrua. Com o verbo promíscuo e minerado parece tascar a democracia e pilhar as suas virtudes. Vomita aleivosias. Tudo nele é teatral, produzido, artificial, falso, encenação. O tique, o verbo, o toque.
Fala dos portugueses como se apascentasse um rebanho de ovelhas com cio e guiasse uma manada de cavalos castrados, uns e outros generosamente avençados. Uns atolambados.
A mim quer-me parecer que pode ser-se de direita e conservador, e manter direitura, esqueleto erecto, coluna e higiene. Não é o caso.
Desventuras lusitanas.