O sequestro dos mais velhos

O leitor já se imaginou institucionalizado, ainda que por opção, e não lhe permitirem exercer os seus direitos? Como reagiria se o proibissem de sair do lar? O que sentiria se fosse proibido de contactar com os seus entes queridos?

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  • 20:05 | Sexta-feira, 15 de Abril de 2022
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Numa rápida consulta ao dicionário online Priberam, encontramos como sinónimo de “sequestro” o seguinte: Clausura ou detenção ilegal de alguém, privando-o da sua liberdade contra a sua vontade.

Apesar de a maioria das restrições consequentes da pandemia já ter sido levantada pelo Governo, há lares de idosos que, de acordo com o “Jornal de Notícias” (5/4/2022), impedem os utentes de ir a casa ou de passear com os seus familiares no exterior.

Consultados os especialistas, constata-se uma dupla ilegalidade: “Por um lado, não há uma norma [do Governo] que permita proibir as saídas dos utentes. Por outro, reter as pessoas contra a sua vontade constitui um crime” (Paulo Otero, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, in Expresso)


Um tema delicado, merecedor de reflexão e intervenção, que não deve eclipsar-se no pós bruaá noticioso que já teve o mérito de chamar a atenção da opinião pública, mas que será insuficiente face à urgência do assunto.

Estas pessoas são privadas da sua liberdade, num atentado aos seus direitos, autonomia, autodeterminação e dignidade. Mais um exemplo claro do modelo vigente, em algumas organizações, de “instituição total”, como as descreveu o sociólogo Erving Goffman em Manicómios, Prisões e Conventos:

“Quando essa instituição social se organiza de modo a atender indivíduos (internados) em situações semelhantes, separando-os da sociedade mais ampla por um período de tempo e impondo-lhes uma vida fechada sob uma administração rigorosamente formal (equipe dirigente) que se baseia no discurso de atendimento aos objetivos institucionais, ela apresenta a tendência de «fechamento» o que vai simbolizar o seu caráter «total»”

 

 

O leitor já se imaginou institucionalizado, ainda que por opção, e não lhe permitirem exercer os seus direitos? Como reagiria se o proibissem de sair do lar? O que sentiria se fosse proibido de contactar com os seus entes queridos?

Todos nós envelhecemos, este não é um assunto do outro, é um assunto meu, seu, nosso. “Ainda que por opção?”, poderá estar o leitor a questionar, neste momento…

Nem todas as pessoas têm voz na tomada de decisão aquando da sua institucionalização. Descartando os casos de má-fé, negligência, dolo, abuso de poder e maus-tratos, não raras vezes, por paternalismo ou excesso de zelo, são coartados os projetos de vida e a autonomia dos mais velhos. Quando se dá a institucionalização parece ocorrer a definitiva morte simbólica para os mais velhos.

A preocupação dos filhos pode ser expressão de cuidado e afeto, mas é preciso evitar a tentativa de cercear a liberdade de mulheres e homens lúcidos, ativos e saudáveis que ainda são capazes de ser protagonistas da própria vida.” (Mirian Goldenberg, “Como combater a invisibilidade e a solidão dos mais velhos”, Folha de São Paulo, 6 de abril de 2022)

Os verbos “respeitar”, “escutar”, “dialogar”, “empoderar” devem sobrepor-se, em todo e qualquer contexto, aos verbos “desrespeitar” “estigmatizar”, “violentar”, “sequestrar”.

As palavras “AMAR” e “LIMITAR” são inconjugáveis!

 

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Publicado em Opinião