O PS tem de refazer a sua relação com os agricultores. E já!

A ambição “cosmopolita” de uma parte muito significativa do PS e do BE está a transformar o mundo rural num campo de radicalismo contra a esquerda e em especial contra o PS. Isso foi nítido na elaboração das linhas estratégicas do atual quadro de financiamento europeu, foi claro no dossier sobre a PAC que a nossa Presidência da EU entendeu fechar e é completamente visível na forma como se fez a “regionalização” dos serviços do ministério.

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  • 19:46 | Domingo, 28 de Janeiro de 2024
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Quando terminaram as minhas funções de Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas, em 2009, decidi não tornar públicas, a partir daí, as minhas opiniões sobre os caminhos da governação nos setores agrários.

Só incumpri essa limitação autoimposta uma única vez – no centenário do Ministério da Agricultura.

Acontece que estamos a mudar de ciclo no PS e importa que não se repitam os grandes erros que foram cometidos desde que Capoulas Santos deixou o ministério. Por isso, deixo o meu contributo para o caminho que se vai fazer, negando qualquer interesse no regresso à vida política.


Nada tenho contra Maria do Céu Albuquerque, pessoa que conheço há muito e a quem poderiam ter entregado uma pasta mais à sua medida, mas estes últimos quatro anos levaram o PS a um quase desaparecimento no universo da agricultura e da alimentação.

Esta clareza tem de ser colocada a quem quer ser, de novo, Governo. O Programa Eleitoral do Partido Socialista não pode alhear-se do grau de insatisfação a que se chegou, muito menos à situação de total incompatibilidade das administrações públicas com a realidade muito própria do setor.

A ambição “cosmopolita” de uma parte muito significativa do PS e do BE está a transformar o mundo rural num campo de radicalismo contra a esquerda e em especial contra o PS. Isso foi nítido na elaboração das linhas estratégicas do atual quadro de financiamento europeu, foi claro no dossier sobre a PAC que a nossa Presidência da EU entendeu fechar e é completamente visível na forma como se fez a “regionalização” dos serviços do ministério.

Em toda a Europa há um conflito entre “produção” e “proteção” no agroflorestal. Por isso, alguns países agregaram, em tempos, os ministérios da agricultura com os do ambiente. Mas esse caminho foi abandonado, e bem, porque é preciso garantir abastecimento e porque cada país não se pode dar ao risco da dependência absoluta de mercados onde a instabilidade geopolítica é permanente.

Os conselhos europeus de agricultura são os únicos que reúnem todos os meses, são os únicos que têm agendas ao dia, são os únicos que precisam de ter em atenção as implicações climáticas e as catástrofes imprevisíveis. Assim, os ministérios de cada um dos países comportam dimensões funcionais generosas, não porque seja do agrado de quem acha que o Estado deve ser pequeno, mas porque já se deram conta que a cada crise importa responder com rapidez e conhecimento sustentado. Afinal, as pessoas têm de comer antes de fazerem outras coisas.

A segregação das Florestas para o Ambiente e a passagem de competências do Ministério da Agricultura para as CCDR’s foi feita por pessoas respeitáveis mas com uma leitura burocrática e de cidade. Era preciso encher estas entidades, que ainda não sabiam como se virar com o que já lhe haviam dado, e logo lhe deitaram mais carga em cima.

Não tenho uma visão completamente negacionista do papel das CCDR’s nas questões agrárias ou de desenvolvimento rural (por exemplo no universo Leader), mas é preciso entender, primeiro, o que se quer. Ora, o que foi feito foi um erro e deve ser em parte corrigido com ponderação e critério. Confesso que não estou a adivinhar uma política cerealífera nacional cortada às postas, nem uma definição estratégica no setor vitivinícola pulverizada.

Mas as questões do mundo agrícola são mais vastas e mais profundas.

A primeira grande questão é a que se prende com a dimensão simbólica da agricultura, com a dignidade do campo. Os últimos Governos desgraduaram a relação da terra com a sociedade, aumentaram a distância entre agricultores e decisores. Um erro enorme que nasce exatamente de se achar que a agricultura é jardinagem e os agricultores uns ancestrais que só gostam de caça e de touradas.

Mas não! Em Portugal temos hoje vastos setores muito competitivos que garantem a nossa presença em mercados importantes, mas na Administração Pública já quase não há quem saiba falar com eles. A agricultura portuguesa já não é a charrua e o jerico.

Verificamos, ainda, uma outra situação gravíssima – os cursos superiores agrários estão a desaparecer porque as crianças deixaram de saber o que é a agricultura e os poderes públicos deixaram de lhes dizer que o que comem só é possível porque há agricultores. Em 2008 lancei um conjunto de protocolos para tentar reverter a situação perigosíssima no universo silvícola, mas logo veio quem desfez tudo.

A agricultura tem problemas muito graves que poucos estão a tratar. O primeiro é a valorização dos solos.

No tempo de hoje podemos fazer solo com outras dimensões tecnológicas e científicas. Para isso, é importante fazer viver a rede de laboratórios que nos dizem como melhorar, como valorizar, como recuperar. Temos situações que, a prazo, nos podem deixar milhares de hectares abandonados, em especial na olivicultura, e para isso precisamos de prevenir. O próximo Governo precisa de apostar tudo num Plano Nacional do Solo para poder ajudar a agricultura e apreciar a produtividade com sustentabilidade.

O segundo problema grave é a água. O Plano Nacional de Regadios, ainda feito por Capoulas Santos, foi um bom documento, mas a rapidez com que nos chegam os graves problemas de fornecimento obrigam a uma mais ampla abordagem. A água deve ser vista nas suas diversas componentes, integrada numa leitura tripla de abastecimento humano, agricultura e energia. E, para isso, é necessária uma outra ambição e uma permanente negociação.

O terceiro problema é a energia. A energia é uma componente cada vez maior nos custos da produção. Por isso, não podemos deixar de apostar, de forma muito intensa, em modelos de produção integrados, em usos regrados, em tecnologias mais sustentáveis. As comunidades de energia agrícolas, a capacidade de gerar energia para autoconsumo, até a possibilidade de produção energia para incorporar nas redes não podem ser mais adiadas. A agrofotovoltaica e o biometano são apostas que tardam.

O quarto problema é o da mudança de chip. Portugal está “bêbado” de fundos europeus e tem de começar a desmamar. O Ministério da Agricultura, agora também as CCDR’s, não são guichés de pagamentos, são entidades de promoção de políticas, de ação para os resultados. Ora, o que temos é uma máquina que está desejosa de colaborar na mudança, mas não parece ter no topo quem queira compreender a linguagem.

O quinto problema é o da relação dos pilares. As “ajudas/apoios” e o “investimento” precisam de gestores em associação com engenheiros. Precisamos de analisar como os pilares interagem, como se podem transformar em ganhos de produtividade. Mas mais, o que precisamos é de fazer uma profunda reflexão do que queremos para o futuro, em especial o que os mercados nos pedem e como poderemos ajustar os preços do produtor com os do comércio.

Em suma, o que o Partido Socialista precisa de fazer é uma nova etapa que não seja mais do mesmo, que retire a agricultura da quase clandestinidade institucional em que está hoje. Deve transformar-se num agente com quem se pode conversar, divergir e consensualizar para mais coesão, inovação e sustentabilidade.

Podem não querer fazer já o que aqui se propõe. Em boa verdade, é sempre muito difícil aceitar os erros. Mas, mais cedo que tarde, o PS vai ter de olhar para o mundo rural e mudar também as suas propostas políticas. Pedro Nuno deve fazê-lo rápido.

 

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