O ministro conde, elegantíssimo, de bicicleta

Eça de Queirós apresenta-se desencantado com Paris, cada vez mais fabril, mais escura, menos intelectual, mais desgraciosa e grosseira. «Nas ruas», queixa-se, «não se vêem senão homens, de camisola de malha e mulheres de calções, pedalando furiosamente em velocípedes». E prossegue da maneira que se lê em A Cidade e as Serras: «as carruagens já não têm cavalos, são todas automobiles, fazem um barulho horrendo e deitam um cheiro abominável a petróleo».

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  • 12:38 | Quarta-feira, 20 de Outubro de 2021
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Como dizia atrás, Eça de Queirós imaginou o seu Zé Fernandes, num derradeiro regresso a Paris, a vituperar as bicicletas e os ciclistas. A realidade do escritor era diversa. No final do século XIX, recebia em sua casa, na Avenue du Roule, o ministro conde Sousa Rosa, perfeitamente lembrado pela filha mais velha de Eça de Queirós passados cinquenta anos. Nas suas palavras, Sousa Rosa «aparecia constantemente, elegantíssimo, fosse de bela peliça e chapéu alto, fosse de fato claro, lapela florida, canotier – e de bicicleta!»

Imagino facilmente a alegria dos filhos de Eça de Queirós. Maria exprime-a nos seguintes termos: «Essa bicicleta, das primeiras de Paris, fazia o nosso entusiasmo; conhecíamos-lhe os menores detalhes, apreciávamos a marca, discutíamos tecnicamente as suas perfeições. Grande e inesquecível amigo!» E, de facto, na carta que enviou à mulher, em 27 de Agosto de 1896, Eça de Queirós refere ter jantado com Sousa Rosa, regressado das termas de Contréxeville «num fervor desordenado pela bicicleta».

Não se pode tocar na obra de um grande escritor sem que dela brotem mil interpretações possíveis e contraditórias. Enquanto Zé Fernandes recriminava as bicicletas, elas entravam gloriosamente em casa de Eça de Queirós. Meti-me no Dicionário de Eça de Queirós para resolver este paradoxo, e trouxe de lá um excerto da carta enviada à condessa de Sabugosa, em 14 de Janeiro de 1897.

Eça de Queirós apresenta-se desencantado com Paris, cada vez mais fabril, mais escura, menos intelectual, mais desgraciosa e grosseira. «Nas ruas», queixa-se, «não se vêem senão homens, de camisola de malha e mulheres de calções, pedalando furiosamente em velocípedes». E prossegue da maneira que se lê em A Cidade e as Serras: «as carruagens já não têm cavalos, são todas automobiles, fazem um barulho horrendo e deitam um cheiro abominável a petróleo».


Estas impressões são próprias de um homem nascido em 1845. Os jovens viam elegância na bicicleta e no automóvel, animavam-se com a velocidade, só não admitiam a competição desportiva brutal, destituída de cavalheirismo.

 

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Publicado em Opinião