O medo voltou!

O Executivo, entrou num equívoco perigoso, um alçapão, porta de entrada para uma cave habitada por monstros e fantasmas. Um governo decente não pode ser neutro, cinzento, baço, e fazer da conveniência um gesto salvador. A atitude pode ter sido calculada, mas não deixou de ser embaraçosa. Em política, a conveniência e o equívoco matam. Os soldados de Montenegro portaram-se muito mal.

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  • 16:36 | Segunda-feira, 16 de Junho de 2025
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Na semana transacta, em Lisboa, uns quantos energúmenos agrediram com uma soqueira o actor Adérito Lopes, quando o artista se preparava para ir trabalhar.

A norte, outros cobardes ofenderam fisicamente duas voluntárias, quando forneciam ajuda alimentar a sem-abrigo, alguns deles imigrantes, em situação de especial fragilidade.

A esquerda ressuscitada ergueu-se dos assentos almofadados, numa condenação unânime; a direita constitucional enredou-se na ambiguidade, o caminho escolhido pelos tortos. O governo silenciou, como se nada tivesse ocorrido e os ataques fossem toleráveis.


O Executivo, entrou num equívoco perigoso, um alçapão, porta de entrada para uma cave habitada por monstros e fantasmas. Um governo decente não pode ser neutro, cinzento, baço, e fazer da conveniência um gesto salvador. A atitude pode ter sido calculada, mas não deixou de ser embaraçosa. Em política, a conveniência e o equívoco matam. Os soldados de Montenegro portaram-se muito mal.

É um imperativo ético travar esta loucura, sob pena de cumplicidade com gente labrega e perigosa. Este Portugal que agora dá a cara e mostra os dentes, que exibe uma expressão furiosa, não é novo, estava adormecido, aguardando a oportunidade para exibir as garras e fazer estrago. Viveu 51 anos na clandestinidade, exilado, ressabiado e remoendo frustrações.

Os agressores, que se vão multiplicando, na esteira do que sucede por toda a Europa – uma manta de retalhos, atordoada e sem rumo, com visionários sobejos, atolados em luxos e sinecuras -, são a face de um Portugal rançoso, que sobreviveu à custa da tolerância democrática – uma bondosa receita universal, de mérito e eficácia questionáveis -, não trazem novidade, nas intenções e na bruteza. Destilam ódio e babam ressentimento. Só uma punição exemplar os deterá. São os herdeiros do pior Portugal, ao cimo da terra lusitana: pobre, analfabeto, delinquente, ingrato. O rosto de um país anão, tacanho e manhoso, vergado e verguio. Habitam o lugar da vergonha, o palco dos carneiros com cheiro a bedum.

Os seus mentores aparecem-nos em diversas formas – apóstolos, profetas, mestres, pastores-, ágeis no disfarce dos propósitos, hábeis no esconder dos intentos. Julgam com a presteza dos estouvados e a precipitação dos débeis. Agridem com a crueza dos irresponsáveis e a indiferença dos néscios. Injuriam com a boçalidade dos rasteiros.

Estamos a um pequeno passo do retrocesso civilizacional, do tempo das trevas e da delação, do terror, do receio das palavras, da monotonia das concordâncias.

É terrível o que nos ameaça, até há pouco tão impensável. Estes carrascos, e outros de igual calibre, não são dignos da tolerância que a democracia, distraída com minudências e fazendo que não enxerga o que passa à frente dos olhos, lhes concede.

Diz o povo, antecipando-se aos clássicos mandamentos da Ciência Política: quem os seus inimigos poupa, às mãos lhe morre. Veremos quem terá razão.

Posto isto, esclareço que não me envergonho da História do meu país. De altos e baixos, de ganhos e perdas, foi escrita pelo punho firme e sangrado de bravos que enfrentaram adversidades incomuns, superando-as com resiliência e denodo.

A História é um conjunto sequencial de factos, permitidos pelas circunstâncias, empurrados pelos ventos ideológicos dominantes. Nesse entendimento, não há nada para esconder, nada para devolver, nada para esquecer. O filho bateu na mãe? Sim. Bastardos e amantes, eunucos e adúlteros? Sim. Colonizámos? Sim. Escravizámos? Sim. Sofremos com a Inquisição? Sim. Houve masmorras, grilhões e sevícias? Sim. Quem não fez tudo isso, à época? Quem pode apresentar mãos limpas e almas imaculadas?

Somos a soma do que somos e do que fomos, uma adição contraditória nos termos, assíntona na essência. Faz parte do processo de construção dos Estados. Não há países assépticos, apesar de uns tantos deslumbrados se esgadanharem por utopias distantes, que jamais alcançarão.

Um país que isola e injuria o passado não é uma comunidade socialmente organizada. É um pouso de carroceiros, um território de arruaceiros, um lugar mal frequentado, um deserto de vínculos, sentimentos e projectos, que nos seus silêncios sedimentam e consolidam.

Cuspir no pretérito é traição, ignorar o passado é amnésia. Um país que assim procede e segue esse caminho de expiação e arrependimento é um país castrado. Países soberanos não reescrevem a sua História, não derrubam monumentos, não escondem o património, não apresentam desculpas unilaterais.

Nações honradas dispensam catarses, não se derretem com epifanias esclerosadas.

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Publicado em Opinião