Nativos digitais – uma geração de totós

O que a OCDE nos diz é simples – os nativos digitais, completamente implicados nas tecnologias, estão longe de se revelarem capazes de distinguir e entender os conteúdos que o imenso mar da net lhes apresenta. A capacidade de questionar a informação é muito reduzida, a identificação, por conhecimento prévio adquirido, do que é ou não credível, é sofrível e a distinção entre realidade e perceção ou entre factos e juízos aparece como um mal em alastramento.

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  • 15:23 | Segunda-feira, 07 de Junho de 2021
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A OCDE apresentou, na passada semana, um importante relatório sobre os Leitores do Século 21 – Desenvolvendo Habilidades de Alfabetização no Mundo Digital. Por ser matéria de enorme importância, esperava-se que o universo político, a comunidade educativa e as diversas entidades que acompanham as políticas públicas lhe tivessem dado a atenção que merece, mas não.

Também não foi relevante para os muitos articulistas da nossa imprensa que abordam, d’habitude, as matérias da educação ou da transição digital. Um manto de silêncio que nos obriga a utilizar este espaço de provocações para abordarmos a matéria.

O que a OCDE nos diz é simples – os nativos digitais, completamente implicados nas tecnologias, estão longe de se revelarem capazes de distinguir e entender os conteúdos que o imenso mar da net lhes apresenta. A capacidade de questionar a informação é muito reduzida, a identificação, por conhecimento prévio adquirido, do que é ou não credível, é sofrível e a distinção entre realidade e perceção ou entre factos e juízos aparece como um mal em alastramento.


O estudo, que abarcou 79 países, analisou a interpretação de texto pelos alunos de 15 anos e constatou que os skills por estes incorporados não permitiam que se chegasse aos 50% quando se lhes pedia para avaliarem opinião ou facto.

Tal circunstância verifica-se mesmo nos países melhor avaliados como são os casos do Japão, Dinamarca ou Finlândia, onde só 24% dos estudantes se consideraram altamente competentes.

Este estudo indica duas importantes preocupações. A primeira, a que se se prende com a participação e a cidadania. Mesmo que não seja muito desenvolvido neste objeto, o relatório evidencia que podemos estar a criar uma geração que se vai afigurar incapaz de desenvolver espírito crítico e que será dada à simplificação do discurso político. A segunda, é a que nos diz que vai escassear mão de obra qualificada para empregos de alta complexidade, podendo nascer exércitos de desocupados que imprimirão uma constante instabilidade social e cultural.

 

O relatório é bem claro na identificação da consequência da universalização do digital. Andreas Schleicher, diretor do departamento de educação da organização, foi bem firme ao dizer que a compra de material informático, o uso das redes, a virtualização do desporto, das relações e do sexo não provocaram grande evolução na alfabetização digital entre 2000 e 2020.

Não sendo muito claro sobre o que terão feito os países melhor posicionados, Scheicher indica intuitivamente a (in)capacidade dos docentes na passagem do analógico para o digital, a desmaterialização dos manuais escolares e a capacidade de criação de ilhas educativas onde existam espaços de comunidade e de intimidade.

Mas essa transição não se fez, não se deve fazer, no universo da leitura onde o livro, enquanto matéria, físico, assume e assumirá um papel, muito relevante, na capacidade de interpretação das crianças e jovens.

No relatório é visível uma identificação entre a universalização da educação mais ou menos tardia no século XX. Os países que há muito deixaram de ter analfabetismo significativo e que mais cedo atingiram níveis médios de formação, incluindo profissional, são os que se revelam mais capazes para a inclusão das novas gerações. O mesmo se está a verificar nos países de influência da antiga União Soviética que revelam uma predisposição para a aceleração da inclusão digital em concomitância com a generalização da utilização do inglês como língua de trabalho.

O relatório abre as nossas vistas para os choques dos últimos anos decorrentes da pandemia. Estamos perante dois desafios: a) recuperar do impacto que os confinamentos causaram na formação das crianças e jovens; b) não aprofundar as injustiças entre classes e entre territórios. E é neste campo que o esforço português se não pode limitar ao mero fornecimento de equipamentos.

Portugal, aplicando todos os indicadores constantes desta análise crítica da OCDE, continua no lugar onde há muito se instalou – a parte de trás da média europeia. Mas o que importa, neste tempo de urgentes mudanças, é que se confirme uma nova dinâmica na construção da escola do século XX.

 

Pode consultar o relatório em:

21st-Century Readers: Developing Literacy Skills in a Digital World | READ online (oecd-ilibrary.org)

 

 

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Publicado em Opinião