… pela direita e a sua extrema, com a ajuda do centro, porque eles já estão a apoiar uma guerra (nuclear?!) na Europa.
“Dedicatória
Aos Europeus, mesmo que cada um tenha a sua Europa e nela viva refugiado.
Aos cépticos, capazes de lutar por uma ideia, mesmo duvidando dela.
Aos solitários, sem relação com a cidade, embora tenham de a defender.
Aos que criam coisas novas e seguem o seu caminho, deixando que os outros as aproveitem.
Aos que correm todos os perigos de pensar e agir.
Enfim, aos corajosos, que olham a direito, para os homens e os deuses.”
Carlos Vale Ferraz, pseudónimo literário de Carlos Matos Gomes, coronel, “Capitão de Abril”, historiador e escritor, falecido no passado dia 13, na dedicatória do seu romance “Livro das Maravilhas – Anais dos tristes acontecimentos do Milénio”. À sua memória dedico esta crónica, publicada nas vésperas do 51.º aniversário do 25 de Abril.
Das inúmeras intervenções cívicas de Carlos Matos Gomes, destaco a sua subscrição de apelos para o fim das PPP (Parcerias Público Privadas) na Saúde.
Várias sondagens, incluindo uma da Cesop da Universidade Católica, publicada em Julho do ano passado pela RTP, Antena 1 e o Público, e outras mais recentes, mostram que a principal preocupação dos portugueses é a Saúde, dado sentirem cada vez mais dificuldades em pagar medicamentos e consultas da especialidade em hospitais e clínicas privadas. Estas despesas afectam mais dramaticamente cerca de 30% dos idosos em Portugal, que muitas vezes, devido aos baixos rendimentos, têm de optar entre comprar medicamentos ou comprar comida, interrompendo e abandonando tratamentos médicos. Morrer das doenças ou morrer de fome é o dilema para milhares de idosos em Portugal. Esta é a “liberdade de escolha” que os (neo)liberais defendem, num país onde o risco de pobreza atinge 1,7 milhões com um rendimento mensal líquido inferior a 632 euros. O risco de pobreza também afecta 28% dos casais com três filhos e 38% das famílias monoparentais. Segundo a Comissão Europeia e o Conselho Europeu, Portugal teve o pior aumento do risco de pobreza entre crianças, aumentando o abandono escolar precoce, em 2023. Cerca de 10% dos portugueses que estão empregados, 900 mil trabalhadores, já estão abaixo da linha de pobreza. O salário mínimo, em Portugal, representa apenas cerca de 60% do salário considerado adequado para uma vida digna. Mas o governo prefere gastar mais dinheiro no aumento da despesa com a NATO e na compra de armamento.
Uma das causas, para além dos baixos salários, é o custo da habitação, que teve em Portugal um dos piores agravamentos do “mundo rico”, segundo a OCDE, a seguir ao Reino Unido, Canadá, Austrália e Letónia. A Habitação aumentou 7% em Portugal, quando o aumento médio na União Europeia foi de apenas 3%.
António Arnaut, considerado o “pai do Serviço Nacional de Saúde”, poucos anos antes de morrer em 2018, denunciou as políticas dos partidos de direita que estavam a destruir o SNS e lamentou que o seu partido, o PS, também tivesse contribuído para isso. Quando tal ouvi, pensei logo no ministro Correia de Campos, nosso conterrâneo, de Torredeita, que foi Secretário de Estado da Saúde no V Governo Constitucional (1979) e Ministro da Saúde dos XVII (2005-2008) e XIV (2001-2002) Governos. No passado dia 9, no programa Consulta Pública, da Antena 1, Correia de Campos gabou-se de ter sido o primeiro governante a defender as Parceria Público-Privadas (PPP) – mais conhecidas por “Proventos Privados, Prejuízos Públicos” – na Saúde e as “parcerias público-público” com os municípios, e de ter sido o primeiro a defender a possibilidade das USF (Unidades de Saúde Familiar) se organizarem por cooperativas de profissionais, por IPSS e pelo sector privado. Confessou ainda que tinha abordado responsáveis de um hospital privado para os tentar convencer a criar uma USF modelo C. “Não aceitaram, mas os tempos mudaram”. E concluiu, em evidente contradição: “Até onde será possível que o país se cubra de unidades privadas sem destruir o SNS? Era preciso um Estado regulador competente e forte!” e “um sector privado obediente e insusceptível de se aproveitar das fragilidades do Estado.” Oh, meu caro Correia de Campos (se por improvável acaso me ler e não se recordar de mim, estivemos sentados lado a lado, na Assembleia Municipal de Viseu, quando o amigo era líder da bancada do PS e eu eleito pelo BE), então, aos 83 anos, ainda acredita no Pai Natal?… Não se lembra de ouvir Isabel Vaz, presidente do Grupo Luz Saúde (hoje do grupo chinês Fosun), dizer que “melhor negócio do que o da Saúde, só o das armas”? E o lema de um ministro do PSD: “Quem quer saúde, paga-a!”? Não por acaso, o PSD, em 1979, votou contra a lei que originou o SNS.
Quase um milhão e seiscentos mil portugueses continuam sem médicos de família (no final de Março eram mais 28.500 do que no mês anterior, a maioria devido à aposentação de médicos de medicina geral e familiar, apesar de ainda haver 700 aposentados no SNS). Quatro milhões já têm seguros de saúde. Caminhamos para um SNS residual para os mais pobres e classe média baixa, enquanto os mais ricos e a classe média alta poderão recorrer aos hospitais privados. E dentro em breve estaremos ao nível miserável do sistema de saúde dos EUA, em que uma colonoscopia custa mais do que um automóvel.
Mas por que é que se há-de ter medo de morrer de doenças, quando se está a armar na Europa uma guerra entre potências imperialistas com armas nucleares?…