Em 2019, o Chega teve 67 mil votos; em 2022, 400.000, em 2024, 1 milhão e 100.000, em 2025, mais de 1 milhão e 300.000.
É só ver para além dos números, que as provas do nove e real confirmam e a frieza aritmética esconde. Não sei se querem, se estão interessados em constatar a evidência. Uma subida vertiginosa, mas consolidada. Uma trajectória ascendente e robusta.
De um deputado apenas, passou para 60, no espaço de 6 anos. Deixou uma votação residual para ser hoje o partido ganhador em círculos eleitorais a sul, o território onde até há pouco se dizia votarem os eleitores politicamente mais esclarecidos e informados, os mais próximos da “civilização” e os fermentados na dura clandestinidade. E em muitos outros ficou em segundo lugar. Isto significa que 22% dos eleitores – não são tão poucos assim – está disponível para mudanças profundas na política doméstica, não apenas para ser testemunha de lautas jantaradas e negociatas de bastidores.
A AD, apesar de reforçada e com um líder relegitimado, que se cuide com a sua governação e com as suas parcerias, que se centre nos problemas reais dos portugueses, no que verdadeiramente lhes interessa, do que mexe com as suas vidas – salários, pensões, pão na mesa, habitação, emprego -, que sacuda os amiguismos e os arrivistas sem trabalho, os “jotinhas” que nunca fizeram nada na vida, os(as) deputados(as) sem currículo, afastando-se da disruptiva e elitista agenda das minorias, que vale amendoins, mas a comunicação social amplifica e exagera.
Com as autárquicas perceberemos melhor se estas eleições, à partida consideradas inúteis por muita boa gente, serão o gérmen de uma refundação do sistema político.
Sendo provável que ganhe câmaras municipais e venha a eleger vereadores em muitos concelhos, o Chega terá, pela primeira vez, funções executivas, num ambiente de muita proximidade com as populações, circunstância que o partido de Ventura, com o discurso populista, saberá explorar como ninguém.
E somemos-lhe, por fim, uma epifania em que uma certa esquerda deslumbrada – alérgica a moscas, e que passa férias na Comporta, goza os feriados nas herdades alentejanas, vai às praias da República Dominicana, veste Boss e calça Prada, a que tem empregadas para lhe tirarem os caroços das cerejas, a que não conta os cêntimos e a quem sobra sempre ordenado -, é fértil: pessoas decentes não votam na extrema-direita. Um diagnóstico pleno de cientificidade sociológica. Acontece que eu já vi este filme, há 51 anos, a preto e branco, agora um “remake”a cores: quem não era comunista era fascista e quem não era de direita era um perigoso comuna. O cerco ao congresso do CDS no Porto e o assalto às sedes do PCP a norte. Percebi que há quase 1 milhão e meio de portugueses que são indecentes, incultos. Juízo…
Continuamos na mesma: barricados e acantonados, amigos no que nos convém, adversários, quando nos contrariam. Pois então, alcunhem-nos, crucifiquem-nos, dêem-lhes pasto que o fogo alastrará, num ai.
Quem engoliu o PS, fará o mesmo ao PSD, pois que o CDS tem perfil apendicular, só existe para compor o broche na virada do casaco.
Esclareço que não votei Chega nem AD. Indignado e ofendido com o curso dos acontecimentos, que me fazem lembrar os “corujas” da incensada 1.ª República e a triste herança que ela nos deixou.
E voltarei a votar em quem, longe dos cangalheiros e dos sacerdotes das missas do sétimo dia, trouxer regra, autoridade, disciplina, respeito, zelo, brio, mérito. Músculo e nervo. E contas certas. Sem ódios.