Imagine que é um velho autarca perante o dilema de mais umas eleições. Um dinossauro político, já saturado de comícios, arruadas, bombos e promessas vãs, e que já sonha mais com a pacatez da reforma e com o colo aos netinhos, do que com o prestígio, a fama e a glória de uma carreira política.
Agora imagine que tem um vice, mas esse vice é tão fraco politicamente, tão débil, uma nulidade tal, que, caso concorresse seria facilmente rechaçado pela oposição.
Imagine agora que elabora um brilhante plano, um fantástico esquema ao melhor estilo maquiavélico, que lhe permite juntar o útil ao agradável: passar os últimos anos de vida no conforto da família, na companhia de quem ama, e em simultâneo oferecer uma última vitória ao seu partido.
Você decide então preparar, organizar um método infalível: concorrer a um último mandato, só para que, passados 1 ou 2 anos possa desistir e, desse modo poder passar a pasta ao seu inútil vice…
Que sentimentos lhe provocaria isso?
Sentiria que estava a instrumentalizar o processo democrático? Que seria uma forma de manipulação do eleitorado, pois os eleitores votam tendo em conta o cabeça de lista, o rosto, a cara da campanha?
Ou sente que, ainda que legal, é uma atitude eticamente reprovável, pois fere a transparência democrática e a confiança na representação política local, uma vez que o voto é o produto de uma relação de confiança entre eleitor e candidato?
Ou sente que é um rei numa monarquia, onde o poder se transmite não pelo mérito ou pelo voto consciente, mas por arranjos prévios e continuidades dinásticas.
Que pensaria o leitor? Certamente pensará que, quando partidos ou autarcas tratam os cargos públicos como propriedades herdáveis, reproduzem uma mentalidade feudal num regime que deveria ser republicano e democrático.
Ou pensaria que em última análise, este tipo de comportamento enfraquece a própria ideia de República, cuja essência é a rotatividade legítima e transparente dos cargos. Quando o poder se perpetua por sucessão encoberta, o espírito republicano morre – e o sistema democrático transforma-se num simulacro de monarquia, onde os “herdeiros políticos” substituem os reis, e o voto serve apenas para legitimar o que já estava decidido nos bastidores.
Que faria o leitor? Pensava na família? Ou expunha o seu vice e mandava-o fazer-se à vida, submetendo-o ao escrutínio eleitoral, à vontade popular, mesmo sabendo que ia humilhar o partido?
Agiria? Pois um autarca verdadeiramente dedicado à República e ao serviço público deveria escolher a transparência total. O partido deve enfrentar o eleitorado com os seus melhores candidatos, e não com “soluções de fachada”.
Pensaria que se o vice é fraco, o partido tem a obrigação democrática de o substituir por alguém capaz ou, se for essa a sua melhor opção, candidatá-lo e aceitar o veredito popular.
Pensaria que uma derrota humilhante é, nesse caso, uma consequência legítima da fraqueza do seu quadro, e não deve ser evitada através de um artifício que desrespeita o voto consciente?
Ou pensaria que o pior de tudo é o município poder correr o risco de daqui a 2 anos ter um presidente fraco e incompetente?!
Domingo vote. Sem medo. Consciente. Com esperança.
Pedro Esteves