Farinha do mesmo saco

De resto, a sul nada de novo, salvo o anúncio ao país de que a mulher de Cavaco Silva estava à sua espera para jantar. Talvez um caldo de nabiças, que cai sempre bem.

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  • 16:20 | Segunda-feira, 27 de Novembro de 2023
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Houve tempos em que na política portuguesa havia um líder especializado em “sound bytes”, capazes de acordar o mais acabrunhado dos mortais e iludir o mais desapegado eleitor. Tinham um efeito perturbador no conservadorismo e nos vagares arrastados das campanhas eleitorais. Embora demagógicos, eram uma pedrada no charco. Todos os outros líderes, do seu tempo e de hoje, eram, e são, esforçados, mas improdutivos aprendizes da arte. Respondia pelo nome de Paulo Portas, e era um especialista nessas matérias, desde os tempos de “O Independente“, um irrequieto semanário que não merecia ter acabado, eu lia-o de fio a pavio. Todas as notícias tinham o seu fundo de verdade, e as crónicas mordazes eram deliciosas. Deu a conhecer segredos e escândalos que a imprensa certinha e arrumadinha, amarrada a grupos económicos, não informava. Invariavelmente, deixava-me preocupado e alegre.

Depois de ter saído das mãos de Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso, um jovem extravagante que conheci na Lisboa quente dos anos 74/75, nunca mais foi o mesmo, perdeu a irreverência, e não tinha metade da graça.

E o que tem tudo isto a ver com Luís Montenegro? Talvez nada, quiçá muito. A mesma técnica, que tem vindo a ensaiar, estando a milhas de distância do político citado acima. Por mais que se calce, não lhe chega aos calcanhares. Mas tem vindo a fazer umas pífias tentativas de se acoitar nesse excitante “modus operandi”. O “orçamento pipi” não lhe correu nada bem, e logo os homens das correntes férreas trataram de lhe acertar o passo, tirando-o do desafortunado carril por onde, desgraçadamente, se tinha aventurado.


Teimoso, vem agora a terreiro com as mesmas vestes, outro conteúdo, mas igualmente sem substância. Essa de comparar Pedro Nuno Santos a Vasco Gonçalves não lembrava ao careca, passe a linguagem mais chã.

O PREC tem quase 50 anos de vida, e já ninguém vai na cantiga do papão comunista que comia criancinhas logo de manhã. Foi chão que deu uvas.

Entre os seus, e empurrado pela euforia, brindou-nos com outros dizeres panfletários, que registei, e guardei para memória futura. São bons de ouvir, caem bem no colo do descontentamento que vai alastrando por aí, silencioso, à espera de uma ocasião para se mostrar.

Que vai baixar a taxa do IRS, até ao 8.⁰ escalão, e aumentar as pensões mais baixas para 820€. E que esta boa nova é realizável, pois as contas estão feitas. Bem-vindo ao grupo dos irritantemente optimistas. Mas para salvaguarda pessoal, e para escapulir à cobrança, empurra o problema com a barriga para duas legislaturas. Uma eternidade. Que este é o governo dos salários baixos, dos impostos máximos, da subsidiodependência, da instabilidade na escola pública, da emigração de jovens qualificados e da arrogância, fazendo supor que o seu será o contrário deste que crítica.

Calha que não discordo de todo com a fotografia, mas isso sou eu que não passo da condição de um simples eleitor, consciente de que a minha responsabilidade se esgota no exercício do direito de voto, quando dobro em quatro o papelinho que deposito na urna.

Agora, o Dr. Montenegro, que tem sérias possibilidades de vir a ser primeiro-ministro, deve ter bem a certeza do que diz, porque o tempo de dizer o que se quer e apetece para agitar as massas, sem que o incumprimento seja depois penalizado, também tem de acabar.

Os políticos não se podem dar ao luxo de prometer tudo e mais alguma coisa, gozando nas nossas caras, fazendo de nós uns pacóvios que sustentam as suas mordomias e sinecuras. Essa impunidade, venha ela de onde vier, não pode medrar. Os políticos não se podem julgar uns seres privilegiados, a quem tudo é permitido, mesmo a mais reles e despudorada mentira. Se assim puder ser, largar fartura sem sustento, estamos na república da baixaria.

Presumo que se o PSD vencer as eleições os salários aumentarão e os impostos baixarão. Tudo o que qualquer português gosta de ouvir. E ver. Sendo essa a vontade expressa do partido, com o carimbo do presidente, e com as contas no excedente, é seguro que não se trate de promessa oca, e acontecerá, de facto, nem que para tanto o orçamento seja revisto.

Quanto à arrogância, não foi há muito o tempo do “ai, aguenta, aguenta”, do “para além da troika”, e do “brutal aumento de impostos”, frases largadas com uma frieza gelada e uma incompreensível insensibilidade social. Quanto a essa matéria, presumo que estamos conversados.

Relativamente à instabilidade da escola pública, recordo-me dos acordos para a rescisão e do convite à emigração dos professores, e até à mudança de profissão. Lembra-se, com toda a certeza, desses tempos duros, era líder parlamentar do seu partido. Não era governante de Passos Coelho, mas, pegando nas suas palavras, era farinha do mesmo saco.

No conclave do fim-de-semana, de entre os anteriores líderes, teve o abraço de Cavaco Silva e de Manuela Ferreira Leite. Não é coisa pouca. Lembrar-lhe as ausências dos restantes, é uma crítica estafada, até porque foram muitas as presenças de figuras de proa do barrosismo e do passismo.

 

 

Na hora da verdade, se cheirar a poder, aparecerão todos a engrossar o pelotão da corrida, rimando nos elogios à liderança e nos gabos ao carisma que hoje, sem rebuço, questionam nos bastidores, soprando essa preocupação para os “media”.

De resto, a sul nada de novo, salvo o anúncio ao país de que a mulher de Cavaco Silva estava à sua espera para jantar. Talvez um caldo de nabiças, que cai sempre bem.

 

(Fotos DR)

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