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Falemos do riso

A cultura popular, o divertimento, o riso, a gargalhada foram, ao longo de décadas, a única forma de atenuar o tédio, a ignorância e a estupidez.

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    • 21:34 | Sábado, 27 de Fevereiro de 2021
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    Nestes tempos estranhos de pandemia, falemos do riso, essa contração dos músculos faciais, característica do ser humano, tão ligada à afetividade e à ironia.

    O riso traduz o estado de espírito de uma pessoa, o seu estado emocional e psicológico.

    Diz-se presente e gosto do que disseste, acho-te graça; que divertido o que estou a ver, ouvir ou sentir!


    Numa vertente mais mefistofélica serve para a humilhação, para ser ou parecer indiferente. Uma pitada de ironia uma pitada de crítica…

    Afinal numa manifestação da dicotomia humana.

    Nem sempre o riso foi encarado como algo positivo.

    Um rezingão deve ter inventado este sombrio e aziago dito: “Muito riso pouco siso “.

    E se o riso foi algo de divino na mitologia greco-romana, com a gargalhada de uma deusa ou as diatribes de Dionísio/Baco, também ele um deus, foi, como se sabe, mal visto por alguns filósofos, como Platão e Aristóteles

    Das Comédias Gregas, aos bufões que, burlescamente, pretendiam fazer rir, seguimos até à Idade Média, onde o riso era coisa do Demo.

    No entanto o Carnaval, já nesta época se instala, como cultura popular!

    É que malgrado muitos, o riso é, como sempre foi, uma panaceia para os problemas da vida.

    Com o absolutismo, o riso e as festas carnavalescas, tornaram-se sinónimo de caos e desordem, sendo o riso rechaçado para “o profundo dos infernos”, de tal modo era antónimo da fé.

    Mas o riso, transformado ou não, popular ou erudito, sobrevive e vai-se reinventando.

    No Renascimento, o riso passa a figurar como um manifesto de inteligência, sendo enaltecido, em várias obras, como as de Shakespeare, entre outros. O seu alvo já não é o indivíduo, mas o coletivo com as suas mazelas.

    Posteriormente, já na perspetiva freudiana o riso é eficiente contra a dor, as ansiedades e angústias, estando também relacionado com o prazer.

    O riso é um remédio contra o sofrimento e tende a ser uma forma de rebeldia e mesmo subversão.

    É, sem dúvida, uma das formas de alegria que economiza a energia acumulada para encarar a dor, ao contrário da tristeza.

    Na turbulência do Séc. XX, o riso foi uma espécie de ópio para o cruel sofrimento de duas Grandes Guerras Mundiais e para os conflitos dos tempos restantes; há estudiosos que defendem, que existiu guerra durante todo o séc. XX (mas deixamos isso para outros temas).

    De forma impactante, continua a ser objeto de estudo e reflexão, objeto de pesquisa marcado por diferentes abordagens em múltiplas áreas de conhecimento, desde a computação, passando pela medicina , biologia e neurociência, alcançando mesmo distintos ramos das humanidades, como literatura, artes, comunicação, linguística, sociologia, antropologia e História.

    A cultura popular, o divertimento, o riso, a gargalhada foram, ao longo de décadas, a única forma de atenuar o tédio, a ignorância e a estupidez.

    Será só minha a desconfiança das pessoas que não têm o gosto e a capacidade de rir, até de si próprias?

    Finalizo com Fernando Pessoa

    “Quem Pensa, Ri

    Quem raciocina com intensidade e violência tem que expressar com descongestionamento. Rir não é não ter razão. Não há relação entre a solenidade e a verdade. Deixemos a seriedade aos que têm ideais em que perdem tempo e jeito. Pensemos, e acabemos de pensar com uma gargalhada.

    A dor do mundo é grande? Talvez seja. Como não há metro para ela, não sabemos. Mas, ainda que seja grande, curar-se-á aumentando-a com a nossa?

    Pensa a sério, mas não com sério. Pensa profundamente, mas não às escuras. Quer fortemente, mas não com as sobrancelhas.

    Sinceros? Quantos gramas de verdade é que a vossa sinceridade pesa?

    Quem pensa, ri; só não ri quem só faz cara que pensa.

    Ri, bruto!”

     

    Fernando Pessoa, ‘Inéditos’

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