Nestes tempos estranhos de pandemia, falemos do riso, essa contração dos músculos faciais, característica do ser humano, tão ligada à afetividade e à ironia.
O riso traduz o estado de espírito de uma pessoa, o seu estado emocional e psicológico.
Diz-se presente e gosto do que disseste, acho-te graça; que divertido o que estou a ver, ouvir ou sentir!
Numa vertente mais mefistofélica serve para a humilhação, para ser ou parecer indiferente. Uma pitada de ironia uma pitada de crítica…
Afinal numa manifestação da dicotomia humana.
Nem sempre o riso foi encarado como algo positivo.
Um rezingão deve ter inventado este sombrio e aziago dito: “Muito riso pouco siso “.
E se o riso foi algo de divino na mitologia greco-romana, com a gargalhada de uma deusa ou as diatribes de Dionísio/Baco, também ele um deus, foi, como se sabe, mal visto por alguns filósofos, como Platão e Aristóteles
Das Comédias Gregas, aos bufões que, burlescamente, pretendiam fazer rir, seguimos até à Idade Média, onde o riso era coisa do Demo.
No entanto o Carnaval, já nesta época se instala, como cultura popular!
É que malgrado muitos, o riso é, como sempre foi, uma panaceia para os problemas da vida.
Com o absolutismo, o riso e as festas carnavalescas, tornaram-se sinónimo de caos e desordem, sendo o riso rechaçado para “o profundo dos infernos”, de tal modo era antónimo da fé.
Mas o riso, transformado ou não, popular ou erudito, sobrevive e vai-se reinventando.
No Renascimento, o riso passa a figurar como um manifesto de inteligência, sendo enaltecido, em várias obras, como as de Shakespeare, entre outros. O seu alvo já não é o indivíduo, mas o coletivo com as suas mazelas.
Posteriormente, já na perspetiva freudiana o riso é eficiente contra a dor, as ansiedades e angústias, estando também relacionado com o prazer.
O riso é um remédio contra o sofrimento e tende a ser uma forma de rebeldia e mesmo subversão.
É, sem dúvida, uma das formas de alegria que economiza a energia acumulada para encarar a dor, ao contrário da tristeza.
Na turbulência do Séc. XX, o riso foi uma espécie de ópio para o cruel sofrimento de duas Grandes Guerras Mundiais e para os conflitos dos tempos restantes; há estudiosos que defendem, que existiu guerra durante todo o séc. XX (mas deixamos isso para outros temas).
A cultura popular, o divertimento, o riso, a gargalhada foram, ao longo de décadas, a única forma de atenuar o tédio, a ignorância e a estupidez.
Será só minha a desconfiança das pessoas que não têm o gosto e a capacidade de rir, até de si próprias?
Finalizo com Fernando Pessoa
“Quem Pensa, Ri
Quem raciocina com intensidade e violência tem que expressar com descongestionamento. Rir não é não ter razão. Não há relação entre a solenidade e a verdade. Deixemos a seriedade aos que têm ideais em que perdem tempo e jeito. Pensemos, e acabemos de pensar com uma gargalhada.
A dor do mundo é grande? Talvez seja. Como não há metro para ela, não sabemos. Mas, ainda que seja grande, curar-se-á aumentando-a com a nossa?
Pensa a sério, mas não com sério. Pensa profundamente, mas não às escuras. Quer fortemente, mas não com as sobrancelhas.
Sinceros? Quantos gramas de verdade é que a vossa sinceridade pesa?
Quem pensa, ri; só não ri quem só faz cara que pensa.
Ri, bruto!”
Fernando Pessoa, ‘Inéditos’