Ensino Profissional: venham outros 20 anos

Em territórios como Viseu (58% da população têm ensino básico ou menos), com um forte sector dos serviços (70% dos trabalhadores por conta de outrem) e uma economia que necessita de transformação e diversificação, as autarquias podem ser agentes decisivos na adequação da formação às oportunidades locais e na valorização do ensino profissional como via de futuro.

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  • 13:54 | Sexta-feira, 25 de Julho de 2025
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Nas últimas duas décadas, o ensino profissional em Portugal deixou de ser uma alternativa marginal para se afirmar como um pilar essencial do sistema educativo. A viragem deu-se em 2006, com a expansão massiva da oferta e o reforço do financiamento europeu, respondendo a dois problemas estruturais: o elevado abandono escolar e a rigidez de um sistema centrado apenas na via académica.

Os resultados foram evidentes. A percentagem de alunos do secundário em cursos profissionais passou de 28% em 2000 para cerca de 40% em 2023. As taxas de abandono e retenção caíram drasticamente, e a taxa de empregabilidade dos diplomados atinge hoje os 72% em dois anos, superando os 56% da via geral.

Este percurso mostra que o ensino profissional é hoje uma via de sucesso, em particular para os jovens de contextos mais desfavorecidos. Ainda assim, os desafios persistem. Muitos alunos acabam por trabalhar fora da sua área de formação, revelando um desfasamento entre a oferta educativa e as reais necessidades do mercado. O impacto directo no emprego nas áreas específicas dos cursos é modesto, e só se torna mais expressivo quando observado à escala regional, o que exige melhor articulação territorial na planificação da oferta.

Além disso, a maioria das escolas profissionais ainda não está suficientemente integrada na estratégia educativa nacional. É urgente que o ensino profissional não seja tratado como um “subsistema”, mas como uma via equivalente e complementar ao ensino geral, com lugar na definição das grandes prioridades educativas. Isto implica uma articulação mais forte entre escolas, Ministério da Educação e empregadores, mas também uma valorização pública mais clara.

As autarquias, por sua vez, devem assumir um papel mais activo na definição do futuro das escolas profissionais. É suposto conhecerem bem o tecido económico local e é suposto terem capacidade de influenciar as escolhas formativas, de atrair parceiros empresariais e de criar condições para a fixação de jovens qualificados. Em territórios como Viseu (58% da população têm ensino básico ou menos), com um forte sector dos serviços (70% dos trabalhadores por conta de outrem) e uma economia que necessita de transformação e diversificação, as autarquias podem ser agentes decisivos na adequação da formação às oportunidades locais e na valorização do ensino profissional como via de futuro.


No campo do empreendedorismo, os dados são promissores: a criação de empresas, sobretudo sociedades, aumentou nas áreas ligadas aos cursos, entre três e cinco anos após a conclusão. O potencial está lá, mas falta integrar a formação empresarial nos currículos e simplificar os apoios ao autoemprego jovem.

Nestes últimos 20 anos, o ensino profissional percorreu um longo e importante caminho. Contudo, para responder aos desafios da transição digital, da escassez de mão de obra e da coesão territorial, precisa de mais do que expansão. Precisa de integração estratégica, compromisso político e maior envolvimento das comunidades locais. Com as eleições autárquicas à porta, este poderá ser um bom momento para o ensino profissional ganhar espaço nos programas eleitorais, preferencialmente de forma inovadora e estruturada.

Fontes: Censos 2021 e Policy Paper – Fundação FMS – “A expansão dos cursos profissionais em Portugal: que impacto na educação, no emprego e no empreendedorismo?”.

 

José Pedro Gomes (Economista | Gestor)

(O autor escreve de acordo com a antiga ortografia)

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