É a economia, estúpido!

A palavra crise é, em Portugal, a mais escrita. No Observador ela está em doses massivas a cada linha. E em certas páginas do Expresso Economia é a matriz de quase todos os anosos colunistas. Este país, se se quisesse bem, deveria retirar do seu dicionário essa tal palavra - crise. Em crise vivemos desde 1140 e ainda cá estamos, cantando o fado, usando diminutivos e respondendo a cada pergunta – vai-se andando!

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  • 18:11 | Quarta-feira, 24 de Maio de 2023
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Há sete anos, logo no início da Geringonça, Pedro Passos Coelho profetizava que o “diabo” não tardaria. A solução governativa engendrada iria pôr de pantanas as contas públicas, iria fazer regredir o investimento privado por falta de confiança dos empresários e, por fim, iria fazer regressar o desemprego a níveis insuportáveis.

Nos quatro anos seguintes, Mário Centeno mostrou que Passos se tinha enganado. A cada dia contrariava, também, as observações de Rui Rio (tal prémio nobel da contabilidade portuense) e, por fim, Portugal atingia níveis no défice, no investimento e no desemprego tão interessantes que muitos dos economistas, amigos do tal diabo, se pelavam na praça pública.

Veio a pandemia, depois a guerra, e os colunistas da ala direita anunciavam, de novo, o diabo. Portugal iria enfrentar, sem uma política correta e prudente que Costa nunca conseguiria fazer, um tempo muito duro de inflação e de crise.


A palavra crise é, em Portugal, a mais escrita. No Observador ela está em doses massivas a cada linha. E em certas páginas do Expresso Economia é a matriz de quase todos os anosos colunistas. Este país, se se quisesse bem, deveria retirar do seu dicionário essa tal palavra – crise. Em crise vivemos desde 1140 e ainda cá estamos, cantando o fado, usando diminutivos e respondendo a cada pergunta – vai-se andando!

É esta visão miúda que leva os jovens a deixar-nos e a irem pelo mundo. Claro que os salários são baixos, as rendas são altas, mas o que os jovens não suportam mesmo são as nossas cabeças piquenas.

O jornal espanhol El Economista fazia, em meados do mês passado, uma análise da evolução económica dos países do sul da Europa e considerava que, quando comparamos o nosso país com os mais afetados pela crise internacional de 2008/2009, Portugal tinha surpreendido. O título ampliava a lição económica que estávamos a dar à Europa, um milagre que não tinha fim, dizia o corpo do longo texto.

O Negócios dizia, no final do mês passado também, que Portugal não gastava tão pouco em juros desde 2006. Este texto era claro na competência das autoridades portuguesas ao afirmar que, apesar da mudança de ambiente nos marcados financeiros, o nosso país ainda tinha conseguido reduzir os custos da dívida durante o ano de 2022, uma redução de 9,3% face ao ano anterior.

A Lusa, a abrir um dos dias do final de abril, diz ao povo português que a economia da Zona Euro tinha avançado, no primeiro trimestre, 01,%. Porém, Portugal havia registado a maior subida em cadeia (1,6%), bem atestados pelo Eurostat. Era, ainda, a terceira maior subida do PIB face ao trimestre anterior e a terceira maior (2,5%) na comparação com o período homólogo.

É também no final do mês passado que voltamos a ter notícias pelo Expresso. As exportações haviam subido 13,3% no trimestre primeiro do ano da graça de 2023. Os números eram extraordinários, uma vez que BCE e FMI haviam convergido em indicadores bem menores e o Banco de Portugal, não sendo tão maléfico como o seu banco maior, também se havia enganado.

O início do presente mês o Eco afiançava uma redução muito significativa da inflação. 5,7% em abril era a mais baixa desde março de 2022, o primeiro mês da guerra. Quando Portugal e Espanha criaram o mecanismo para a limitação dos preços do gás natural e, por essa via tamponaram o preço da eletricidade, meio mundo houve a desconfiar da ideia, mas foi mesmo a energia o elemento que mais contribuiu para a descida da inflação. Portugal, segundo a SIC, alcançará, em 2024, uma taxa de inflação de 2,7%.

E nos dias seguintes, os económicos europeus e nacionais diziam em letras garrafais que Portugal teria, já em 2024, taxas de juro, a 10 anos, referentes às Obrigações do Tesouro, inferiores às da França, Grécia, Bélgica, Espanha e Itália. Os economistas do lado direito vieram logo dizer que havia o perigo da retirada do “guarda-chuva” do BCE que vem existindo desde 2015. Porém, são as instituições internacionais a assegurar que Portugal é hoje muito resiliente e capaz de assumir todos os seus compromissos por antecipação.

Este fim de semana as notícias eram terríveis. Bruxelas revia em alta o PIB para 2023 e concedia um valor – 2,4%. Disseram os comentadores de serviço que era pouco, os mesmos que tinham passado os primeiros meses a dizer que Portugal iria regressar aos crescimentos anémicos. Só que 2,4% é, tão só, o terceiro maior da zona euro. E a nota sobre o investimento era ainda mais interessante, fruto da queda dos preços globais das matérias primas.

 

Estes indicadores são, portanto, muito relevantes quando analisamos o crescimento da nossa economia, a redução da inflação, a descida dos juros, o incremento das exportações, o regresso, em grande, do investimento. Isto tudo junto é um míssil no argumentário dos lideres políticos conservadores e liberais. Centeno, primeiro, e agora Fernando Medina foram acertando em todos os porta-aviões do inimigo.

Temos vindo a constatar o nascimento, a partir da Escola de Economia da Universidade do Minho, de uma elaboradíssima teoria: o país vai bem apesar do Governo. Fernando Alexandre e Luís Aguiar-Conraria são os paladinos de uma nova leitura em que o país vai bem e que o Governo só atrapalha. Conraria, com a graça que lhe é caraterística, inventou até, no texto de 5 de maio, uma personagem de nome Hildegarda que, não querendo responder a uma pergunta de um teste, forjou, ela própria, a sua pergunta e a esta deu a melhor resposta. O autor não será mesmo essa Hildegarda?

Alexandre, no Observador, afirma-se brincalhão. Diz que o Governo não acerta uma porque, imagine-se, conseguiu alcançar, em 2022, o objetivo de 50%, nas exportações fixado pelo mesmo Governo para 2027. Ou seja, o Governo deve ser sovado por ter antecipado, em cinco anos, um dos objetivos mais relevantes da sua política económica.

Fernando Alexandre recoloca Conraria e refere os três factos económicos recorrentes que implicam Portugal: o aumento dos níveis de incerteza na economia global, os erros nas previsões do Governo e o bom comportamento da economia. Este ilustre professor, ex-membro do Governo da Troika, sabe bem que os níveis de incerteza são, no tempo presente, contingência para todas as economias e que, pelo diapasão das agências de notação, Portugal continua a enrijecer; também sabe que o bom comportamento da economia portuguesa se deve à credibilidade externa de Portugal e à capacidade de atração de investimento que vimos garantindo sem falhas; mas sabe, muito bem, que todas as previsões do Governo, desde há sete anos, foram sempre ultrapassadas positivamente. Que grande chatice é esta de termos um Governo com este tipo de erros de previsão…

Quando, em 2021, Alexandre preparou o programa económico para a candidatura de Rangel à liderança do PSD, toda a sua análise anunciava o caos. Hoje, em conjunto com Conraria, anunciam o caos anti-caos – um Governo que governa tão mal que até tem uma política de crescimento excecional reconhecida internacionalmente.

Se um dia Pedro Passos Coelho regressar ao lugar de primeiro ministro deverá ponderar se escolhe, para ministro das finanças, Miranda Sarmento e, para secretários de Estado, Alexandre e Conraria. Habituados, como estão os três, a pouco acertarem, ainda dão cabo de tudo o que Portugal conseguiu nestes últimos anos.

Bill Clinton ganhou as eleições de 1992 a George Bush porque a economia norte-americana tinha entrado em recessão grave. Nessa altura, James Carville, um cérebro da campanha democrata, dizia sobre a escolha já feita – é a economia, estúpido! Bem podem estar à espera de eleições antecipadas. Com a economia com esta performance nem São Ventura pode valer a conservadores e liberais.

 

Ascenso Simões

 

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Publicado em Opinião