Relatam hoje os noticiários que um doente esperou mais de cinco horas para ser transferido do Hospital da Covilhã para Coimbra em mais um episódio demonstrativo de uma situação sintomática de um problema estrutural e persistente no SNS: a centralização dos cuidados diferenciados nos grandes centros urbanos do litoral, em detrimento das populações do interior.
O tempo excessivo de espera para uma transferência médica não deve ser visto como um acto isolado, mas como a consequência de um modelo de organização hospitalar assimétrico: A falta de especialidades médicas permanentes em hospitais do interior beirão leva à necessidade constante de transferências para hospitais no litoral ditos de referência.
O problema não é apenas operacional, mas acima de tudo estratégico e político, uma vez que, não só os hospitais do interior foram sendo progressivamente esvaziados de valências médicas especializadas, como também se constata uma desertificação médica, ie, uma escassez crónica de médicos especialistas dispostos a fixar-se no interior, além de que o investimento nos hospitais do interior tem sido sistematicamente inferior ao das grandes cidades do litoral.
A solução passará necessariamente por uma política de incentivos à fixação de médicos, tais como uma progressão acelerada da carreira e gratificações económicas e financeiras, bem como por um investimento em equipamentos e infraestruturas nos hospitais do interior.
A demora de cinco horas numa transferência é dramática, mas não é exceção. Corrigir esta situação exige mais do que resolver um problema logístico: implica reequacionar a justiça territorial no acesso à saúde e reconhecer que a equidade não é apenas um valor, é uma condição de dignidade cívica e de respeito pelas populações do interior.
Pedro Henrique Esteves
Psicólogo Clínico