Crise da (não) habitação

Com a escalada dos preços da habitação em Portugal, é expectável o agravamento deste cenário, desolador, que caracteriza a vida de milhares de pessoas. A classe média já não consegue comprar ou alugar uma casa. A gravidade e urgência é de tal ordem que o Governo criou, na última remodelação, o Ministério da Habitação que acaba de lançar um pacote de medidas que têm vindo a ser alvo de críticas à esquerda e à direita.

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  • 16:37 | Sábado, 18 de Fevereiro de 2023
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O fotógrafo Gérald Bloncourt, falecido em 2018, retratou os “bidonville” portugueses em Paris. Ainda recordo, porque foi impactante, a visita que fiz à exposição “Por uma vida melhor”, no Museu Berardo, em Lisboa, creio que em 2008/9…

Milhares de portugueses, nas décadas de 60 e 70, fugiam, a salto, da miséria em que viviam e procuravam a sua sorte em França. Encontravam, para lá das fronteiras, uma vida igualmente dura: “Era uma forma de escravatura moderna. Havia lama no inverno, era frio. Eram barracas feitas com tábuas, bocados de chapa. Era uma vida difícil, muito rude.

Os homens iam trabalhar para as obras, as mulheres ficavam com as crianças.” Hoje, felizmente, os seus filhos e netos, emigrantes de segunda e terceira geração, já nascidos em França, têm melhores condições de vida, ainda que não isentas de dificuldades.


Segundo o Le Monde, vivem, em 2023, milhares de pessoas, na Europa, em bairros de lata e acampamentos. Este dado surge numa notícia que dá nota da revolta da população de uma vila francesa – Villeron – que decidiu invadir um acampamento e expulsar as pessoas, maioritariamente de etnia cigana, porque não suportavam mais a “barbaridade” dos “intrusos” que tomaram conta do bosque. Um homem que foi expulso, com a sua família, em declarações ao jornal, declarou que já lhe tinha acontecido o mesmo outras vezes, noutros locais e que, note-se, “Viver numa barraca não é uma escolha. Gostaríamos de ter uma local estável, cuidado e limpo em que as crianças estivessem quentes.”

 

Portugal, nas últimas décadas, fez um trabalho muito positivo na erradicação das barracas, mas não foi definitivo, algo facilmente verificável em vários pontos do nosso país. Não é aceitável que continuemos a ter, em pleno século XXI, num país que investe milhões em eventos de tecnologia ou oração, carências habitacionais gritantes que vão da falta de luz e água à inexistência de esgotos ou mesmo de instalações sanitárias. Há crianças que, para atenderem às suas necessidades fisiológicas, usam os terrenos limítrofes às barracas, que lhes servem de “habitação”, urinam e defecam a céu aberto.

Em sede do Semestre Europeu, a recomendação é clara: “Portugal deve tomar medidas para reduzir as desigualdades que a pobreza infantil agrava, melhorando os prazos e os acessos aos serviços de saúde de qualidade, para todos, com especial atenção para as crianças.”

Com a escalada dos preços da habitação em Portugal, é expectável o agravamento deste cenário, desolador, que caracteriza a vida de milhares de pessoas. A classe média já não consegue comprar ou alugar uma casa. A gravidade e urgência é de tal ordem que o Governo criou, na última remodelação, o Ministério da Habitação que acaba de lançar um pacote de medidas que têm vindo a ser alvo de críticas à esquerda e à direita.

O tema da habitação retirou do prime time a questão do consumo de drogas na via pública, e dos bairros que são autênticos hipermercados de droga, onde tudo se compra e vende. A Pasteleira, no Porto, e a Quinta do Loureiro, em Lisboa, fizeram capas de jornal, aberturas de telejornal e serviram de cenário para entrevistas e reportagens.

Portugal parece ter adormecido à sombra do sucesso e reconhecimento das suas políticas no combate à droga e na erradicação das barracas. Quando leio nas parangonas que a droga voltou em força, devo dizer, talvez se admirem os mais desatentos ou otimistas, que ela nunca se foi embora. É possível que esteja a ocorrer uma escalada dos consumos, à qual não serão alheias a pandemia, a guerra, a subida dos preços…

A crise da habitação está para durar, a da “não habitação” tem sido ignorada por sucessivos governos que desinvestiram na criação de habitação social.

Durante dois anos, por motivos profissionais, entrei e trabalhei na Quinta dou Loureiro, em Lisboa, no sopé do antigo hipermercado da droga, o Casal Ventoso. Quem conhece a vida do bairro sabe que a droga ganha, todos os dias, os combates, enriquece poucos, mata muitos, destrói famílias e mina o presente e futuro de muitos jovens.

 

(Fotos DR Gérald Bloncourt)

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Publicado em Opinião