Comerciantes afirmam que a Rua Direita “está caduca”. Já não há condições para ali permanecerem

Os comerciantes da Rua Direita em Viseu afirmam que esta histórica artéria comercial da cidade “está caduca, treme". Já não há condições para ali permanecerem.

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  • 22:03 | Domingo, 08 de Março de 2020
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Um amigo e eu descemos a Rua Direita ao fim de almoço de uma tarde soalheira. A rua estava deserta. Raros eram os transeuntes. Metade das lojas outrora prósperas estão hoje fechadas. A maioria dos prédios, há muito desabitados, mostra a sua decrepitude sombria e ameaçadora.

Por ali abaixo, porta sim, porta não, as lojas com as montras tapadas com papel indiciam a sua definitiva rendição.


Além, perto do Montepio, um cidadão de meia idade remexe às claras num caixote de lixo. Descobre uma fatia de pizza deixada ali sabe-se lá quando e por quem. Sem cerimónias nem ocultações de pejo, mete-a à boca e continua a descer a rua roendo a dádiva da saciedade de algum semelhante.

Entrámos num restaurante ainda aberto para tomar um café ao balcão e, a conversa com o proprietário, o Sr. José Pereira começou naturalmente.

”Ultimamente nada é feito pela Rua Direita. Só fazem pela Sé. Tudo passa para o Largo D. Duarte. E eu tenho pena. Estou aqui há 52 anos e é com saudade que lhe digo: Já lá vão os anos em que a Rua Direita era a fonte do comércio de Viseu. Hoje está tudo caduco. Não há condições para aqui permanecermos. Nem obras há. As pessoas envelhecem. Os mais novos não vêm para cá. As rendas disparam e o IMI é um escândalo. O custo da água e da luz é insuportável… não há nenhum incentivo nem atenção para com os comerciantes. Quando falamos com a gente da Câmara eles dizem que vão pensar, mas…

Repare até na calçada e nas suas más condições, e isto é só um exemplo. Chamei disso a atenção aos engenheiros que fizeram ouvidos moucos. No antigo empedramento, quando chovia, as pessoas andavam no meio da rua e não molhavam os pés pois a água escorria de acordo com a inclinação, para as bermas. Hoje é ao contrário. A água escorre das bermas para o meio da rua e toda a gente fica com os pés encharcados. Outro exemplo, as tampas de saneamento e outras que por aí colocaram, algumas têm excesso de altura fora do nível, colidem com os pés em muitos sítios. É cada pontapé…

Que futuro então, senhor José? – ousamos nós…

Já não faço ideia. Vejo isto negro se não houver medidas urgentes e mexidas adequadas. Olhe… o turismo é zero, apesar do que dizem por aí. O comércio reflecte-se negativamente em todos os ramos. Ninguém aguenta. O mês de agosto ainda se vai safando… de resto nem para as rendas dá.

E quando nos queixamos aos responsáveis, a resposta volta a ser a mesma: “Vamos pensar”. Mas andam há anos a pensar e não se vê nada.

Há falta de policiamento e há grupos aqui infiltrados que são um perigo. A Rua Direita treme.

Digo-lhe mais, mantenho-me no activo para preservar os três postos de trabalho fixo, que no verão são cinco. Ainda há pouco tempo abriu uma taberna na rua do Gonçalinho e ao fim de três meses fechou as portas porque não tinha clientes. É este o panorama geral. Há obras iniciadas e paradas há mais de dois anos, o que se transforma num péssimo cartão de visita. Quem quer ver fachadas tristes e tapadas? Quem quer ver isto? Obras paradas, embargadas porque apareceu lá dentro um rochedo… que prejudicam todos os outros comerciantes. O próprio Exército não tem prestado atenção. Aqui ficava bem um museu Militar e isso chegou a ser falado e um motivo de esperança. Seria nas instalações da Cruz Vermelha. Até há, dizem, um protocolo da Câmara municipal com o Exército, mas… pelos vistos foi abandonado. O Orfeão está de obras paradas. É um belo mausoléu abandonado. A escola profissional Mariana Seixas também não trouxe nenhuma vantagem, pois os estudantes não têm dinheiro, nada consomem, não são um benefício.”

Despedimo-nos do senhor José, gratos pelas suas palavras. No seu rosto lê-se desânimo. O desalento de um homem com uma vida de duro trabalho que agora se sente abandonado por quem tem o poder de decidir e de fazer melhorar as condições de vida dos munícipes e de atrair mais comerciantes para esta zona-chave do centro histórico de Viseu.

As dezenas de fotografias que tirámos ficam como documento inquestionável desta triste realidade. Nas travessas perpendiculares a realidade é medonha. Fachadas a derrocar, lixo por todo o lado, portas fechadas a cadeado, quando não esventradas para interiores de onde reflui o cheiro nauseabundo da putrefacção, vidros partidos, ramos a irromper das janelas outrora com vida. Mais abaixo, o Sr. Victor quis mostrar-nos o parque de estacionamento que faceia com a Capitão Silva Pereira, hoje, também, latrina a céu aberto e lixeira bem à vista. Vimos com os nossos olhos e pensámos como poderia isto ser possível, numa cidade que tanto gaba a sua qualidade de vida, que se autointitula da melhor cidade para viver, que um dia quis ser património cultural e da humanidade… na boca, claro está, dos vendedores de banha da cobra que um dia caíram de paraquedas numa cidade outrora feliz.

E agora, quais as alternativas?

Como resolver o problema tão grave de uma zona outrora tão essencial à economia da cidade, à sua positiva publicitação e à sua sustentabilidade?

A autarquia, exercendo as suas funções de forma clara e positiva, trabalhando para os munícipes mais do que para protagonismos pessoais, deveria apostar numa regeneração urbana focada numa perspectiva social, apoiando as pessoas e as famílias na recuperação das suas casas de habitação. A não ser que tenha uma política definida e centrada no seu decisivo afastamento dessa parte fulcral do centro histórico, para posteriormente dar de bandeja as casas deixadas à especulação imobiliária.

Também para as lojas devolutas deveria ser assumida a preferência, devendo de seguida proceder à sua reabilitação e disponibilização aos comerciantes a custos sustentados de renda.

Deveria ainda reduzir ao máximo admissível por lei os impostos de IMI e outros, assim como reduzir a zero as taxas municipais, como por exemplo a taxa de publicidade ou de instalação de esplanadas. Reabilitar casas devolutas para aluguer a custo social a professores, alunos, médicos, militares, enfermeiros e muitas outras mais profissões qualificadas que possam manifestar interesse em fixar-se no concelho. Instalar ainda na Rua Direita serviços públicos e associações, sem descurar como até aqui a promoção de elevados padrões de limpeza, manutenção cuidada e segurança acrescida…

Mais estratégias poderíamos aqui divulgar, mas pensamos que a CMV tem lá muito indivíduo pago para esse serviço. Os tais que “PENSAM”.

Assim sendo, porque não queremos tirar o pão a ninguém, há que aproveitar, motivar, potenciar e monitorizar esses recursos humanos, pois nós não somos avençados do município…

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Publicado em Opinião