Poucos países como Portugal conseguem traduzir a alma nacional em dois emblemas desportivos. O Sporting e o Benfica são, mais do que clubes, reflexos vivos da história social e política portuguesa do século XX. Por detrás das camisolas e das paixões, encontra-se uma narrativa de classes, símbolos e ideais, uma oposição quase filosófica entre o conservadorismo e o progressismo.
O Benfica surgiu em 1904 num contexto diametralmente oposto, no bairro popular de Belém e depois nas imediações da Avenida das Palmeiras, em Lisboa. A génese benfiquista esteve ligada a professores, operários e pequenos funcionários, homens com ideais republicanos e, em alguns casos, associados à maçonaria, num tempo em que o país se agitava com ventos de mudança.
Durante o século XX, esta dicotomia simbólica espelhou a própria evolução de Portugal. O Sporting, com raízes aristocráticas e disciplina institucional, foi durante décadas associado à classe média alta e a uma mentalidade conservadora. O Benfica, nascido entre o povo, tornou-se o clube das massas, o “glorioso” das avenidas e dos bairros populares. Enquanto Alvalade mantinha uma reverência pela ordem e pelo estatuto, a Luz fervilhava com a vibração democrática da multidão.
Na atualidade, ambos são transversais. O empresário e o operário, o banqueiro e o estudante vestem igualmente de verde e branco ou de vermelho e branco. A memória histórica, porém, resiste de forma discreta nos símbolos e nas fundações: o leão, guardião da autoridade e da tradição, e a águia, mensageira da liberdade e do voo social.
Entre o conservadorismo e o progressismo, entre a herança e a mudança, Sporting e Benfica continuam a representar as duas faces de uma mesma nação, a eterna dialética portuguesa entre o poder e o povo, entre o passado e o futuro.
Cosme Damião
Fundadores do Sporting
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor
(fotos DR)