D. Afonso Henriques reinou durante cinquenta e sete anos, o mais longo reinado da História de Portugal. Foi mais do que um guerreiro ou um diplomata. Foi um construtor. Fundou o reino, afirmou a independência face a Leão e Castela, fortaleceu a ligação ao Papado, estabeleceu alianças com ordens religiosas e reconquistou território aos mouros com coragem, astúcia e persistência. Mas para lá da figura política e militar, existiu o homem: devoto, ambicioso e, como tantos senhores medievais do seu tempo, pai de muitos filhos — onze ao todo — de três mulheres distintas. Entre eles, um filho ilegítimo foi o mais velho, o mais corajoso e talvez o mais injustamente esquecido: D. Pedro Afonso.
Mas antes de Mafalda, ou durante, Afonso Henriques teve outra mulher: Flâmula Gomes, dama da nobreza galaico-portuguesa. Com ela teve dois filhos: D. Afonso e, sobretudo, D. Pedro Afonso — o mais velho de todos. A sua ilegitimidade afastou-o da sucessão, mas não da História. Pedro Afonso distinguiu-se como guerreiro e administrador. Serviu o reino com bravura, governou terras com justiça e, apesar de ter ambicionado o trono após a morte da rainha D. Mafalda, nunca conspirou contra o pai nem contra o irmão. Foi leal até ao fim. O seu nome é apagado pelos séculos, mas o seu corpo repousa onde poucos têm esse privilégio: ao lado do próprio D. Afonso Henriques, no Mosteiro de Alcobaça. Um símbolo de reconciliação, honra e reconhecimento silencioso.
A terceira mulher foi Elvira Gualtar, figura mais discreta mas documentada como mãe de duas filhas do rei. Ambas casaram com nobres da corte, o que revela o papel estratégico destas uniões extramatrimoniais na afirmação da dinastia nascente e no equilíbrio de poder entre linhagens. De Elvira nasceram, segundo os estudos mais aceites, D. Urraca Afonso e D. Teresa Afonso — mulheres que, mesmo fora do casamento régio, serviram a política do reino através dos seus casamentos e descendência.
D. Afonso Henriques foi o pai do reino. Não só pela espada, mas também pelo sangue. A sua descendência mostra-nos que a fundação de Portugal não foi apenas uma questão de batalhas e tratados — foi também uma rede de afetos, de lealdades e de escolhas difíceis. E se a História consagrou o rei fundador, talvez esteja na altura de reconhecer também o valor do seu primeiro filho. Não reinou, mas repousa com ele. E isso, na linguagem dos símbolos, diz tudo.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor