As obras, as dobras e as sobras de Fernando Ruas

E se nos últimos anos acabou por descobrir que a cultura dava votos e prestígio, começou por chamar “elefante branco” ao Teatro Viriato, dizendo que preferia construir um pavilhão polidesportivo porque ali se podia fazer teatro e num teatro não se pode jogar basquete.

  • 22:51 | Quarta-feira, 07 de Julho de 2021
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Estas eleições autárquicas, em pré-aquecimento, ficam marcadas pelo infortúnio. Primeiro foi o SARS-COV2 a vitimar o recandidato Almeida Henriques; mais recentemente, foi o candidato do PS a ser hospitalizado em cuidados intensivos coronários. E tudo indica que está a recuperar (o que desejamos), pelo que o boato de que seria substituído por João Paulo Rebelo, actual secretário de Estado da Juventude e do Desporto, parece ter sido manifestamente exagerado.

Pelo meio, tombaram outras duas pedras importantes deste xadrez autárquico. Jorge Sobrado, “o eloquente”, que, tal como Ícaro, ousou voar contra o Sol do Rossio, acabando estatelado por entre as tílias, onde, finalmente, encontrou o “chão firme” de que sentiu a falta. E Pedro Baila Antunes, uma das raras cabeças pensantes do PS Viseu, vereador esforçado na defesa do meio ambiente e do património, sacrificado num gambito arriscado na táctica maquiavélica de “Unir Viseu” dividindo os adversários a qualquer custo, até o de dividir as próprias hostes. Salvou-se a dignidade do vereador, agora independente.

Por último, a derradeira “malapata” que tocou Viseu: a escolha, por Rui Rio, de Fernando Ruas como candidato do PSD.

São conhecidas as razões porque votei contra a atribuição do Viriato de Ouro a Fernando Ruas, na Assembleia Municipal. Ruas aproveitou bem alguns fundos comunitários para a criação de infraestruturas (águas e saneamento), mas desperdiçou outros – como o Programa Polis – em obras megalómanas, como o túnel de Viriato e o funicular. Em detrimento da escada rolante apenas na Calçada de Viriato, projectada pelo arquitecto Manuel Salgado, esta sua escolha resultou em muitas dezenas de pessoas hospitalizadas por enfiarem o pé na armadilha da calha dos cabos de aço. Salvou-se o Parque Linear do PAVIA e a ecopista. O Parque Urbano da Aguieira ficou-se pelo esboço. O parque urbano de Santiago, concebido para aí se instalar a feira semanal, acabou por ficar bonito demais para aquele fim, ao ponto de Ruas querer aí fazer uma praia fluvial. Mais tarde, mudou de agulha e fez a praia fluvial em Alcafache. Mas, azar dos azares, as salmonelas e as cianobactérias que poluíam as águas do Dão, fizeram com que a tão almejada e propagandeada praia fluvial, acabasse por ser inaugurada, já por Almeida Henriques, simplesmente como o “Lugar do Banho”, numa simples referência histórica às termas. Ruas deixou ainda Viseu sem parque de campismo, entregando o do Fontelo aos escuteiros. Esta decisão prejudicou o afluxo de turistas amantes da Natureza, que, encantados por uma mata tão aprazível e com tamanha diversidade biológica, acabavam muitas vezes por ficar muitos mais dias do que um ou dois suficientes para visitar uma cidade de passagem (na intersecção de várias vias rodoviárias) como é Viseu. Ruas deixou ruir o Centro Histórico enquanto os empreiteiros iam construindo em roda livre na periferia, onde também se iam instalando grandes superfícies, muitas vezes em duplicado.


Ruas chegou a afirmar na Assembleia Municipal que não se importava que Viseu fosse uma “cidade dormitório” e sem indústrias, por ser um sinal de que os viseenses iam trabalhar para os concelhos vizinhos mas regressavam à “cidade onde dá gosto viver”. Dormir faz parte da vida, não é?!… Numa entrevista chegou a apontar como exemplos do desenvolvimento de Viseu a Discoteca The Day After e o Palácio do Gelo.

E se nos últimos anos acabou por descobrir que a cultura dava votos e prestígio, começou por chamar “elefante branco” ao Teatro Viriato, dizendo que preferia construir um pavilhão polidesportivo porque ali se podia fazer teatro e num teatro não se pode jogar basquete.

Foi o próprio Almeida Henriques que afirmou, passados apenas dois anos do seu primeiro mandato, que tinha feito mais em dois anos pela economia do concelho do que o que fora feito nos últimos 40 anos, ali incluindo, obviamente, o seu antecessor. Ora, se com Almeida Henriques foi “muita parra e pouca uva” – que o mesmo é dizer muitas promessas e poucas obras – nos 24 anos de Ruas pouco sobrou dos desperdícios e da confusão entre desenvolvimento e crescimento, entre modernizar e estragar.

 

Texto e cartoon de Carlos Vieira e Castro

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Publicado em Opinião