As cheias

Não nos livramos deste fado: governar para o imediato, sob as luzes dos holofotes, sempre tendo em vista a reeleição, a tudo lançando mão para o conseguir, num afã faminto e tresloucado, pouco curando do resto, por vezes, do que realmente nos interessa.

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  • 16:19 | Segunda-feira, 12 de Dezembro de 2022
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Depois do sonho fátuo e pueril com o título das futeboladas mundiais, desçamos à terra em plácido remanso, e usemos as vestes dos comuns mortais, longes dos anjos e dos arcanjos, dos querubins e dos serafins, que, desafinando as harpas, os cravos e as liras das nossas vidas, sempre nos iludem com o futuro.

Deixemos o universo grandioso e eloquente da fama e da glória, dos heróis e dos feitos imorredouros, orgasmos de uma Nação valente e imortal, que em tudo vê razões de elogiável tamanho. E façamo-nos esta pergunta tão comezinha quanto pesada: porque é que, quando a Natureza se desmanda e o céu resolve desatar num pranto consecutivo, vertendo lágrimas por tudo quando é sítio, continua a haver cheias enormes, que trazem agarradas a ela a penúria e a morte? Porque é que, sendo este este um fenómeno recorrente, não encontram os nossos políticos empreendedores para ele remédio que cure? Umas sulfamidas, uns unguentos, uns pós, que qualquer droguista de esquina ou de vão de escada venderá por bom preço.

Ciclicamente esta tristeza acontece, logo se seguindo conferências de imprensa e anúncios, idas ao terreno dos maiores da nossa praça, com ar de totós perdidos, apavorados com a destruição, comidos pelo remorso de nada fazerem, e solenes promessas de obras imediatas, nunca se lhes conhecendo o final.

Há-de haver soluções, porventura, tecnicamente complexas, financeiramente ruinosas, temporalmente dilatadas, mas há-de haver. Não há ninguém que acredite que não haja. Haver, há, só que é obra subterrânea, não se vê, não enche o olho interesseiro dos autarcas, e por isso, por essas opções vesgas, por esse pensar pequenino, continuamos nesta amarga e vil tristeza.


Mas a culpa é de todos os presidentes de câmara eleitos, os mais irresponsáveis, porque tiveram ao seu dispor meios financeiros que os de outrora não tiveram, embora esses também.

Por ser menos usado, Moedinhas, tem menos culpas no cartório, embora já tenha incorporado o tique de mandar bitaites com aquela voz de falsete, reclamando apoio “já”, o mesmo “já” com que, sem sentimento, nem dó, aplicou as draconianas medidas da “troika”.

Não nos livramos deste fado: governar para o imediato, sob as luzes dos holofotes, sempre tendo em vista a reeleição, a tudo lançando mão para o conseguir, num afã faminto e tresloucado, pouco curando do resto, por vezes, do que realmente nos interessa.

Desta feita, até a AENPC, sempre tão perfeitinha e ajuizada nos seus propósitos, tão vaidosa dos seus actos, tão altiva na sua doutrina, falhou estrondosamente nas previsões, logo se escondendo, tentando passar por entre as pingas da chuva e as poças de lama.

Talvez por isso, não se tenham visto os principais responsáveis, secretária de estado e presidente, darem a cara com aquele sorrisinho fácil de vitórias e conquistas.

Quando até no pior pano cai a nódoa, é caso para dizer quão triste sorte é a nossa.

 

(Fotos DR)

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Publicado em Opinião