Aqui, ninguém foge!

Num município PS, seria o PSD a exigir o mesmo, não nos iludamos. O fermento que leveda os políticos na cozedura das respectivas carreiras é da mesma qualidade - cresce o volume, sem igual correspondência na textura - e corre à margem das cores partidárias.

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  • 16:43 | Segunda-feira, 08 de Setembro de 2025
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A teoria “Aqui, ninguém foge!“, porque “fugir é cobardia“, é ridícula e deslocada. Não se trata de fugir, mas de assumir responsabilidades, mesmo que indirectas.

É certo que não foi Carlos Moedas a cortar o cabo do elevador, a empurrar o funicular para fora da linha, mas, perante 16 mortes, não há como ficar indiferente. Há acidentes que, pela sua dimensão, têm, forçosamente, de arrastar consequências, mesmo que sejam injustas e inoportunas. Foi tão grande a tragédia, que ela não permite consequências curtas e insuficientes.

O exercício político não pode ser apenas um palco de glórias e confetis, festas e cortejos. Um político carrega esse tremendo ónus, que só é terrível, quando as razões clamam por ele: dar a cara e tirar consequências do que acontece. E tirar consequências não pode ser um acto de pura retórica, burilada, compostinha, mas inconsequente. Pode ser injusto que assim seja? Pode. Mas esse é o dano colateral da acção executiva. Quem dirige, tem de assumir responsabilidades pelo que, de bom ou mau, acontece, até o inimaginável. É a vida. Se assim não fosse, a culpa morria solteira, ou recaía sempre sobre os mesmos: os técnicos.

Só com a assumpção de responsabilidades, a sociedade pode viver confortável. Se assim não for, é a selva, o regresso às catacumbas. Se assim não for, a classe política pode cometer os erros mais impensáveis, pavonear-se na desqualificação, sabendo que, mais relatório, menos relatório, fica tudo igual. Os remorsos não (a)pagam as culpas.


Confesso que depois da entrevista de Carlos Moedas à SIC, reflecti mais sobre o caso. Se não houve redução de verbas para a manutenção dos elevadores, se não houve cortes no investimento nos funiculares, se as revisões dos equipamentos estavam em dia, se a última vistoria, feita nessa manhã, concluía pela sua funcionalidade, se para a substituição do cabo ainda faltam centenas de dias, se da externalização dos serviços não resultou quebra de qualidade, se o presidente da Câmara não tinha na sua posse qualquer relatório ou informação que sinalizasse falhas ou perigos iminentes, reclamando intervenção, que tipo de responsabilidade lhe pode ser assacada? Só mesmo a responsabilidade política, que outra lhe não pode ser atribuída.

O eng.⁰ Carlos Moedas parece não estar disponível para assumir esse ónus. Uma questão de feitios e de avaliação. Eu, ainda assim, no lugar dele, tê-lo-ia feito. Não apenas para satisfazer a oposição, sempre a cavalgar os acidentes e pronta a enxaguar as mãos no sangue das vítimas. Mas por honra política, por dignidade, e porque ninguém pode exercer altas funções, com um dedo apontado e um mínimo de suspeitas, mesmo que só políticas.

Num município PS, seria o PSD a exigir o mesmo, não nos iludamos. O fermento que leveda os políticos na cozedura das respectivas carreiras é da mesma qualidade – cresce o volume, sem igual correspondência na textura – e corre à margem das cores partidárias.

Morreram 16 pessoas, não pode passar-se um pano por cima desta tragédia. Numa sociedade civilizada, a responsabilização da classe política eleita não pode depender do resultado dos relatórios técnicos e científicos, nem focar-se apenas no que o sufrágio determinar, até porque esse é, de todos, o “julgamento” mais parcial. Essa ideia é redutora e beneficia o infractor. E perversa, porque supõe que uma eleição é um tribunal, quando não o é.

É suposto que os equipamentos públicos funcionem com a máxima segurança, não importa como, nem com que custos, nem a cargo de quem. O cume da pirâmide deve responder por tudo o que acontece, sob a sua jurisdição. Não há ilhas, nem guetos, nem saídas de emergência. Também por isso a frase “Aqui ninguém foge” contém uma ideia parva e imbecil. Sair, não é fugir. Fugir, é precisamente o contrário: ficar, sem assumir.

O resultado prático de uma eventual demissão, neste momento, é igual a zero. É chover no molhado. Nenhum.  Daqui a nada, há eleições. Porém, é certo que há um mas. Independentemente da eficácia, do valer a pena, ou não, há a carga simbólica da tomada de posição. Um pedido de demissão era um sinal de que a culpa não pode morrer solteira, que os políticos não gozam de impunidade, que independentemente do julgamento dos tribunais, há um julgamento moral. Ficar-lhe-ia bem seguir esse caminho.

Uma dúvida, uma suspeição, são sempre manchas. Depois de 16 mortes, alguma cabeça teria de rolar, mesmo inocente. Acreditar que houve uma tempestade perfeita, que reuniu um conjunto de factores fatais, é ser muito ingénuo. Não funcionarem os freios automático e manual é catastrófico. Algo correu mal. E quando algo corre mal, os sacrificados serão sempre os dirigentes políticos os que fazem as escolhas, humanas, técnicas, financeiras, ou as ratificam. Mas nelas está sempre a sua marca, a sua pegada. Não há volta a dar quanto ao princípio. Tentar contorná-lo, seria voltar ao tempo dos sobas e dos régulos.

Eu, no lugar, de Carlos Moedas, já tinha saído. Mas a proximidade do acto eleitoral, no que inviabiliza outros protagonistas, também pesará. Porque a política, ao contrário do que muitas vezes pensamos, não é para meninos de coro.

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