O apagão da passada semana demonstra bem a incapacidade de muitos protagonistas políticos para entenderem a transversalidade de cada decisão que tomam. Essa indestreza foi nítida na forma como ficámos completamente desprotegidos, sem termos soluções para se resolverem os problemas mais comuns.
As decisões sobre a necessidade de assumirmos uma transição energética rápida não merecem contestação. O que merece profunda reflexão é o caminho seguido. Foi para essa ponderação que alertei em julho do ano que passou. O ter sido membro do Governo com a tutela da Proteção Civil e ter sido administrador do regulador do setor energético, conhecendo outros lados que não são os do debate corrente, faz aumentar as minhas inquietações a cada dia.
Não tendo sido isso que aconteceu, continuamos no transporte de mercadorias sem soluções e a promover o benefício fiscal ao gasóleo em ISP; e nos transportes de passageiros o Estado tem vindo a promover uma transição acelerada para os veículos a eletricidade com fortes apoios públicos através do Fundo Ambiental e dos Fundos Europeus.
A eletrificação da vida doméstica vai ainda mais rápido. Tudo passou a ser elétrico como ambição satânica, chegando-se ao ponto de fazer com que as novas construções tivessem deixado de ter, obrigatoriamente, a pré-instalação de gás.
Quando desenvolvemos políticas públicas com base em fundamentalismos ou em modismos o que resulta, mais cedo do que tarde, é o confronto com a realidade. Estava já à vista em 2022 quando aqui deixei algumas preocupações.
O nosso povo diz bem: “Nunca ponhas todos os ovos no mesmo cesto.” Ora, o que Portugal está a fazer é mesmo pôr todos os ovos no mesmo cesto e é para essa realidade que temos de acordar.
Dizem muitos dos “especialistas” que aparecem na nossa televisão que os apagões não podem voltar a repetir-se. Ora, aquilo que tenho para lhes dizer é que vão repetir-se e nunca saberemos quando.
Pode ser por decorrência de uma catástrofe natural, pode ser por uma qualquer guerra convencional ou ataque cibernético, pode ser por resultância das incapacidades dos sistemas, mas vamos ter novos apagões e até podem ser mais graves e mais duradouros.
Uma das pessoas ouvidas disse uma coisa muito acertada: “A situação elétrica em Portugal está presa por arames, não vejo como é possível garantir que (o apagão) não se vai repetir.”
E tirar a rede da fraqueza que já hoje tem e, ainda, da que resultará do crescimento do consumo que se prevê nas próximas décadas, implica muitos biliões de dólares em investimento que o país terá de realizar.
Ora, perante os planos de investimentos da REN e da E-Redes, que aumentavam uns poucos euros no valor da fatura em 2026, o Governo apressou-se a informar, urbi et orbi, que nem mais um cêntimo pagariam os portugueses.
Por outro lado, Portugal tem redes de gás recentes e das mais modernas da Europa que podem e devem ser valorizadas através da produção e distribuição de biometano produzido a partir das águas residuais, dos resíduos agrícolas e pecuários e dos lixos que, adicionado ao hidrogénio, permitiria atingir mais de 30% de consumo da energia total. Toda a Europa avança avassaladoramente no biometano e, em Portugal, só temos uma planta a produzir vinda da iniciativa privada e promovida por um grupo que tem estado sempre na vanguarda das energias.
Porém, as decisões públicas tomadas até hoje foram para que o biogás, advindo das fontes acima referidas, fosse transformado em eletricidade e, com prejuízo económico para quem o produz quando comparado com a produção de biometano, ser injetado na rede elétrica. Um erro enorme!
É perante estes cenários que o país tem de atuar com juízo e com cuidado.
Mas não chega definir estas metas.
No universo da segurança, da proteção e socorro e dos transportes de passageiros, todas as entidades devem ter, progressivamente, o mesmo numero de veículos a eletricidade e a biometano. Só assim se garantirá que o país não entra em colapso, que os portugueses terão sempre soluções mínimas perante uma emergência.
A “grande cena” de termos motoristas dos ministros a transportar gasóleo para uma maternidade diz algumas coisas sobre a competência de alguns agentes políticos. Não me vou referir a eles aqui. Mas não posso deixar de considerar o quão incompetentes somos para a analise dos sistemas integrados de proteção civil e de segurança interna.
Sabemos que numa situação de ausência de eletricidade importa que, de imediato, se recorra a geradores. Isso deve ser a prioridade de todas as entidades que verificam, com regularidade, a segurança dos sistemas. Porém, ficámos a conhecer que os geradores ainda são do tempo da “outra senhora”, funcionam a gasóleo e que esse gasóleo fica sempre dependente de fornecedores privados, desaparecendo, no imediato, em situação de rarefação.
O que aqui se diz é tão simples e tão facilmente concretizável que cada um dos portugueses não deveria preocupar-se mais com o que o futuro pode trazer. Mas o que vai acontecer é o esquecimento. Se dentro de um ano se fizer um balanço das mudanças feitas, deitaremos as mãos à cabeça. Somos assim, vamos continuar a ser assim.
Ascenso Simões
Gestor e ex-Membro do XVII Governo Constitucional