Depois de Abril houve o desígnio de implementar a “política dos três D’s”, democratizar, descolonizar e desenvolver, desígnios imperiosos num país anquilosado. Mal ou bem as coisas melhoraram muito e a falta de democracia e desenvolvimento que o país sofria condicionou e bem a descolonização.
Mas estes desígnios deixaram de ser prioritários e, nas últimas décadas, foram substituídos por outros três D’s, implementados mais ou menos intencionalmente e que nos legaram um país capaz, democraticamente, dos resultados do último Domingo – Despolitizar, Desresponsabilizar e Desumanizar.
Andamos a criar um país de clubismos, onde as pessoas defendem o A ou B, porque sim, por fidelidade cega, por culto religioso, que tudo desculpa ao grupo A e que tudo acusa ao grupo B, não porque as coisas praticadas ou defendidas sejam percepcionadas como certas ou errada, mas porque são ditas por A ou por B.
O futebol teve e tem um papel central nesta despolitização que produz cidadãos sem verdadeiras convicções e que normaliza a imagem do homem providencial que tudo pode e decide. Esta cultura despolitizada, fomentada pelos partidos que repartem normalmente o poder, serviu os seus propósitos lindamente até às últimas eleições e, agora, descobriram que não basta desligar um botão para que ela acabe como por magia.
Acho especialmente piada ao PS e às análises sobre a sua estrondosa derrota porque nenhuma refere a sua despolitização durante anos, despolitização essa que é comum ao PSD e ao CDS (pelo menos).
Quantos de nós não vimos já candidatos que migram do PS para o PSD, do CDS para o PS, do PSD para o PS, dando a impressão (certa) ao cidadão de que “são todos iguais”.
Quantas vezes já vimos partidos políticos, antes das eleições, a afirmar com veemência que defendem isto ou aquilo e, logo que assentam arraiais no poder, justificar-se, de forma pornográfica, para fazerem o contrário do que juraram que iam fazer.
Além da despolitização da sociedade somos cada vez mais individualistas, incapazes de verdadeira solidariedade, imbuídos doentiamente de um espírito de empreendedorismo em que a única coisa que interessa é vencer e vencer a todo custo. Também isso permite que passemos a ser cada vez menos capazes de fazer opções colectivas e o ressentimento ganhe importância na altura da decisão eleitoral.
Também, constantemente vemos exemplos de desresponsabilização política, com muitos actores consagrados a esgrimir as mais estapafúrdias desculpas para desculpar o indesculpável, algo que, normalmente, é secundado pela elite de turno.
Tudo isso é entendido como uma imagem de pântano político onde tudo é tacho, onde tudo é igual, que nos leva ao extremo (que certamente muitos acharão defensável) de, sendo tudo uma “choldra” e sendo todos gente que só quer tachos, se dispensem as eleições porque, “na verdade nada muda”.
Do outro lado do Atlântico já há quem, sem pejos, defenda isso.