A pedra ergueu-se em Constantinopla como testemunho da ambição de um império e da fé que o sustentava. Santa Sofia nasceu no século VI pela mão de Justiniano, que ousou construir um templo tão vasto que durante mil anos permaneceu insuperável como a maior igreja do cristianismo. O imperador, ao contemplar a obra concluída, proclamou que ultrapassara a glória de Salomão.
O espaço tornou-se o coração espiritual de Bizâncio. No interior, a cúpula suspensa sobre arcos quase invisíveis desafiava a gravidade e a razão, criando a sensação de que o céu se abria sobre os fiéis. As cerimónias imperiais faziam da basílica não apenas um lugar de culto, mas também o palco político onde se fundia religião e poder. Ali se coroaram imperadores, ali se ergueram orações pela sobrevivência de Constantinopla cercada por inimigos.
A queda de Constantinopla em 1453 abriu novo capítulo. Maomé II converteu Santa Sofia em mesquita, cobrindo imagens cristãs com cal e erguendo minaretes que redesenharam a silhueta da cidade. Durante séculos, o chamado Ayasofya foi um dos templos mais venerados do Islão, símbolo de vitória e de poder.
O século XX trouxe mais uma transformação. Mustafá Kemal Atatürk decidiu transformar a basílica em museu, devolvendo ao mundo a memória da sua dupla identidade. Os mosaicos bizantinos voltaram a ver a luz, convivendo com inscrições árabes e testemunhando uma história que pertence tanto ao Oriente como ao Ocidente.
Hoje, Santa Sofia voltou ao estatuto de mesquita, decisão que provocou debate internacional. Contudo, permanece inalterado o essencial. Quem entra sob a sua cúpula sente o peso de quinze séculos de história, o choque entre impérios, religiões e culturas. Santa Sofia continua a ser mais do que um edifício: é um espelho da própria história da humanidade, com a sua glória, as suas quedas e os seus renascimentos.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor