A Ética, essência do desporto e da pessoa

A ética no desporto não é um acessório moral; é a substância que lhe dá sentido. É ela que protege o corpo e a saúde, que preserva a dignidade e que garante o respeito entre todos os agentes desportivos. Num tempo em que a sociedade vive ao ritmo da pressa e da aparência, é urgente reafirmar a ética como bússola.

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  • 13:37 | Segunda-feira, 13 de Outubro de 2025
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Sem ética, o desporto perde o seu propósito e a sua alma. A vitória deixa de ser conquista e passa a ser sobrevivência. A ética não é um acessório moral, é o que confere dignidade ao jogo e ao ser humano que o pratica.

 

A ética é, e continuará a ser, o alicerce da formação da Pessoa.


Falar de ética é falar de escolhas conscientes. É questionar ações e comportamentos, ponderar intenções e consequências. Não se trata de impor, mas de orientar, de despertar em cada um o sentido de dever que nos aproxima da nossa melhor versão. A ética é discreta: não se vê, não se mede, mas sente-se no gesto justo, na palavra equilibrada, na atitude coerente.

No desporto, é ela que dá sentido ao jogo, à competição e ao esforço. O valor do desporto não está apenas na vitória, mas na forma como ela é alcançada. O desafio ético começa no treino e prolonga-se muito para lá das quatro linhas. Os valores trabalham-se.

Ao longo dos anos de envolvimento com o desporto, percebo que a ética, por mais invocada que seja, continua a ser um terreno frágil. O discurso dos valores convive com a realidade dos interesses, das pressões e dos egoísmos. Há momentos em que apelar à ética parece quase irónico, tal é o contraste com o quotidiano competitivo.

Vivemos tempos em que a busca pelo êxito imediato se sobrepõe à construção do caráter. Doping, manipulação de resultados, violência, assédio, racismo, xenofobia e negócios, que tratam o atleta como mercadoria, são sintomas de uma crise mais profunda: a perda do sentido humano do desporto. Pergunto-me, por vezes, se o desporto de hoje está mais corrompido do que o de outrora, ou apenas mais exposto. Talvez sempre tenha havido abusos, mas agora o erro ganha palco e amplificação. É nesse palco que a ética precisa de reafirmar a sua voz, mesmo quando parece minoritária.

Hoje, o desporto depara-se com novos desafios éticos que vão além das práticas tradicionais: a legitimidade dos eSports enquanto modalidade desportiva, as questões ligadas à identidade de género e a participação de atletas trans. Não chega assumir uma posição simplista de estar “a favor” ou “contra”.

O desporto é, por essência, uma criação humana. Não basta o movimento do corpo – é a consciência e o sentido que o tornam verdadeiramente humano. Tal como na vida, também aqui os valores se aprendem: pelo exemplo, pelo diálogo, pela coerência entre o que se diz e o que se faz. Infelizmente, a banalização do “vale tudo” ameaça transformar o desporto num palco onde o fim justifica todos os meios. Mas valerá tudo para vencer? Quando o “vale tudo” se instala, o desporto perde a alma.

Precisamos de uma ética que devolva dignidade ao desporto e o reconcilie com a sua vocação formativa. Precisamos que o desporto permita ao atleta crescer como pessoa, explorando todas as suas capacidades: físicas, cognitivas e humanas.

A ética no desporto não é um acessório moral; é a substância que lhe dá sentido. É ela que protege o corpo e a saúde, que preserva a dignidade e que garante o respeito entre todos os agentes desportivos. Num tempo em que a sociedade vive ao ritmo da pressa e da aparência, é urgente reafirmar a ética como bússola. Relembrar que nem tudo o que é possível deve ser feito e que a vitória mais importante é a que não compromete a integridade.

A ética reclama debate, reflexão e coragem. Há que divulgá‑la por meio de ações de sensibilização. Porque, no fim, a verdadeira vitória não é a que sobe ao pódio – é a que nos permite olhar o outro, e a nós próprios, com dignidade.

 

Vítor Santos

Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto

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Publicado em Opinião