A aventura

Ventura começou como militante do PSD, depois, como a voz do Benfica, passou para comentador de futebol, em programas da CMTV. Nessa condição, protagonizou momentos escusados de incontinência verbal e desbragamento de linguagem. Em momentos de maior exaltação, foi um labrego. Mas a qualquer observador mais atento foi perceptível que aquela postura, por ser a que mais lhe convinha, era intencional.

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  • 12:43 | Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2024
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Cumpriu-se no fim-de-semana a entronização de André Ventura, com uma votação tão norte-coreana quanto a de tantos outros que, à esquerda, à direita e ao centro, concorrem sozinhos. Não perdendo a identidade, deu sinais de muito pouca moderação. Para baralhar o centro e enfurecer o PSD, citou Sá Carneiro. Veremos, daqui a dois meses, se a estratégia resultou.

Ventura começou como militante do PSD, depois, como a voz do Benfica, passou para comentador de futebol, em programas da CMTV. Nessa condição, protagonizou momentos escusados de incontinência verbal e desbragamento de linguagem. Em momentos de maior exaltação, foi um labrego. Mas a qualquer observador mais atento foi perceptível que aquela postura, por ser a que mais lhe convinha, era intencional.

O estilo trauliteiro deu-lhe adeptos e seguidores, e ele sentiu-o. Colhendo a notoriedade que a televisão lhe ofereceu, apeteceu-lhe fundar um partido político, já que o PSD parecia curto para os seus quereres. Identificou o descontentamento que, silencioso, larvava na população portuguesa, não tendo pudor em explorar as suas emoções mais primárias. Isolando as áreas mais sensíveis, a corrupção, a alegada impunidade dos políticos, a insegurança, a benevolência das penas para crimes violentos, os maus-tratos na saúde, a subsidiodependência, carregou nelas. Percebeu que havia um eleitorado conservador que, ao cabo de 5 décadas, se sentia órfão de representantes políticos. Omitiu propostas e ideias, não contando com as mais recentes, absolutamente risíveis e irrealizáveis, de extinção do IMI e do IUC, e pegou num discurso de denúncia, calibrado e dirigido, dizendo o que muitos, por conveniência ou cobardia, calavam.

Autoproclamando-se o defensor da pureza e da ética, seduziu aqueles eleitores. Subtrair-lhe a coragem é vesguice, negar-lhe o mérito é um perigoso erro de cálculo. A desvalorização do peso e até alguma ostensiva discriminição do “Chega” fizeram o resto, alavancando o crescimento da sua bancada parlamentar. E segundo estudos de opinião, para o 5.⁰ eleitoral a que concorre, as expectativas para o seu universo são positivas.


Se se comprovarem os vaticínios, será de justiça que, na hora certa, Ventura reparta o sucesso com os partidos de sempre, que, cada vez mais fechados, não há forma de se regenerarem, nem trazem esperança em dias melhores.

Uma mão lava a outra, e as duas lavam a cara. Sem ser vidente nem tarólogo, antecipo que os tempos próximos trarão mais agressividade verbal e carradas de demagogia e populismo. Mais protesto e contestação. O discurso de ruptura com a situação colhe, e Ventura não desaproveitará a ocasião para semear.

Para bem da democracia e do futuro, e por questões de higiene política, mas também de respeito pelos eleitores, seria bom deixar de classificar o “Chega” de fascista, aquele que atrai mais homens, o que seduz eleitores com níveis de escolaridade mais baixos, aquele onde se acoitam os que mostram mais iliteracia política.

Pessoalmente, não vou atrás dessas balelas, valem tanto quanto aquelas que defendem ser a cultura um património da esquerda. Pantominices. E que na esquerda acampam os inteligentes e na direita há um enxame de burros. Intrujices. Não, não sou do “Chega” nem para lá caminho. Mas também não tenho palas.

Entretanto, para melhor ilustrar a minha crónica, e clarificar o que penso sobre o assunto em apreço, não resisto a recuperar o extracto de uma entrevista a um delegado da Convenção do “Chega”.

“- Eu penso como o André Ventura. – O que é que André Ventura pensa sobre isso? – O André Ventura… ele pensa… o que é que ele deve pensar? Eu não leio o pensamento das pessoas.”

E é isto! Para rematar, e a propósito, lembro Eusébio Tamagnini, ministro da Educação Nacional do Estado Novo, que, em 1934, agrupava os portugueses em 5 categorias: os ineducáveis, os normais estúpidos, os de inteligência média, os de inteligência superior e os notáveis.

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Publicado em Opinião