Só brados se ouvem na polis…

    Um pouco por todo o lado existem aqueles indivíduos que falam muito mas fazem pouco. Ou seja, é só brado. E aqui, com sentido de grito, berro, clamor, reclamação ou súplica. Ex: “O Governo não ouve os brados do Povo”. Alguns políticos reclamam-se a esse costume – cada vez mais arreigado – de […]

  • 11:17 | Segunda-feira, 18 de Fevereiro de 2019
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Um pouco por todo o lado existem aqueles indivíduos que falam muito mas fazem pouco. Ou seja, é só brado. E aqui, com sentido de grito, berro, clamor, reclamação ou súplica. Ex: “O Governo não ouve os brados do Povo”.

Alguns políticos reclamam-se a esse costume – cada vez mais arreigado – de bradar, por sua ou interposta voz, os seus ditames, a sua cartilha, as suas ideias, geralmente ecos ocos de coisa nenhuma.
Quem não comunica não existe”, bradou um dia um autarca local numa das cornetas da propaganda institucional. E aqui, genial, sintético, resumiu toda a sua acção. Comunicar para existir, tornar comum, partilhar. Na ausência de algo de concreto, positivo e favorável aos seus munícipes, pois é neste contexto que escrevemos, brada ou manda bradar, num imenso clamor, o que existe e não existe, numa duplicidade bizarra e intermitente que consagra a dúvida e a inverdade a patamares de sublime cacofonia.
Mas é só brado que, etimologicamente, de “braido”, significa lesto e ágil e também é dito de “cavalo jocoso”, em it. “nitrisce ma non morde”, que o mesmo é dizer, passado para anexim lusitano “Ladra muito mas não morde”. Também há quem defende ter origem lat. em “rabidus”, rabioso. Outros, do árabe “barran”, selvagem…
Enfim, a filologia que significa, “amor ao estudo, à instrução”, ou modernamente, “estudo da linguagem” podia aventar mais uma dezena de hipóteses para o vertente “brado”.
E contudo, esses “só brados” por todo o lado ululantes, são meros megafones a quem é dado a arte de guinchar e o dinheiro “cabonde” para juntar em seu redor uma corte de idiotas gananciosos, que ao guincho chamam “opera”, que dá obra.
E a obra que, como na história do “Rei vai nu”, apesar de ninguém a lobrigar, o coro de eunucos, na sua maviosa voz de castrados, aos brados a elogia, entre clamores, reverências e selvagens súplicas.
É a linguagem do significante, ou imagem acústica (ou grafada), mas desprovida de significado ou conceito. Assim, o signo, átomo da linguagem, distorce-se num berreiro vazio, uma poluição sonora tão forte como o barulho de uma irritante mas útil rebarbadora a afagar betão armado.
Interessante é percebermos que de tanto bradar, o guincho começa a ser entendido como palavra de ordem, espécie de santo e senha da tribo, e a ser reproduzido como um longuíssimo vocalizo que se torna o brado dominante da “bobalhada”.


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