Putin e a cultura do cancelamento

Evidentemente que Putin, antes de fazer de "coitadinho", como maquiavélico estratega que é, deveria ter sopesado e ponderado todos os prós e os contras da invasão da Ucrânia. Agora, não adianta chorar sobre o leite derramado, pois de carrasco a vítima… a diferença é mortal.

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  • 14:11 | Sábado, 26 de Março de 2022
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Em finais de 1991, a União Soviética colapsou com a renúncia de Gorbachev à presidência da URSS.

Nesse mesmo ano, a Ucrânia tornou-se um estado independente e uma década depois, começou a sua “ocidentalização”, com a aproximação à União Europeia. A Rússia opôs-se firmemente a tal desiderato desencadeando os acontecimentos de 2014. A tentativa de integrar a NATO foi a gota de água que levou Putin à invasão de um país soberano, em Fevereiro de 2022.

Isto assim dito, muito abreviadamente, provocou a catástrofe humanitária que hoje se vive na Ucrânia e também, por consequência e no contexto económico, na Rússia e no mundo, em geral.


Depois do facto consumado e perante a inesperada e resiliente reacção ucraniana e global, Putin tudo fez para se justificar. Até perante os seus concidadãos russos, deitando mão aos mais esfarrapados pretextos, como o de pretender “a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia”. Coisa que não fez no seu próprio país, com um crescendo de militarização, potenciação de poderio nuclear e com focos de movimentos nazis incipientes, ou não.

Putin referir-se-ia decerto ao Batalhão de Azov, que apodou de “bando de viciados em drogas e neonazis”. Zelensky refutou a imputada ligação do seu governo a ideias nazis: “Dizem-vos que somos nazis. Mas pode um povo que deu mais de oito milhões de vidas pela vitória sobre o nazismo apoiar os nazis? Como posso ser nazi? Explique isso ao meu avô, que passou por toda a guerra na infantaria do exército soviético e morreu como coronel na Ucrânia independente”.

Independentemente da troca de galhardetes e neste âmbito de demagógica retórica, poderia hipoteticamente Portugal invadir a Espanha por lá existirem movimentos de simpatia franquista? Poderia a Espanha invadir Portugal por aqui existirem movimentos pró-nazis? Poderia a França invadir a Itália pelo crescimento de movimentos de extrema-direita fascista. Poderia a Itália invadir a França por causa do “lepenisme” de ultra-direita?

Em democracia, um país soberano, no respeito pela pluralidade de ideologias e de credos, tem a legitimidade e a capacidade de lidar com os seus próprios assuntos internos. Sem descabidas tutelas externas de cunho saudosista-imperialista.

Na verdade, o engulho é a almejada entrada na NATO, que a Rússia vê como uma poderosa “ameaça” ao seu desejo expansionista. O que evidencia também que, nos bastidores, sempre teve a intenção de reaver as antigas repúblicas.

Esta semana, perante os calamitosos 30 dias decorridas da invasão, os desaires sofridos pelas tropas invasoras e o endurecimento mundial das medidas económicas contra a Rússia, perante as primeiras vozes da contestação interna ao governo de Putin, este veio falar, vitimizando-se, na “cultura do cancelamento” que a Rússia está a ser alvo.

 

 

O que é hoje a cultura do cancelamento? Um novo ostracismo pelo qual alguém, um grupo, um conceito, um credo é expulso/banido de uma posição de influência ou destaque, por atitudes questionáveis à luz da razão e das normas vigentes e aceites por uma comunidade.

Evidentemente que Putin, antes de fazer de “coitadinho”, como maquiavélico estratega que é, deveria ter sopesado e ponderado todos os prós e os contras da invasão da Ucrânia. Agora, não adianta chorar sobre o leite derramado, pois de carrasco a vítima… a diferença é mortal.

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