Perverso, o passado próximo…

...o virar costas ao interior, a penalização habitual dos mais desfavorecidos, o emagrecimento do sector público sem olhar às vítimas daí advenientes; ou seja, a visão redutora, imobilista e atávica do problema, que foi centrada no eixo meramente economicista dos governos de então.

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  • 11:21 | Segunda-feira, 06 de Setembro de 2021
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Perverso, etimologicamente, pode querer significar, pela via ou lado errado.
Há uma relação perversa entre uma década de encerramento de escolas, em Portugal (1999-2010), os factos incredíveis então invocados para o efeito e a contínua desertificação do interior do país.

Segundo dados publicados em 2010 na revista “Visão”, se entre 1999 e 2008 se eliminaram 3721 escolas, só em 2010 encerraram 701. Um número recorde. Destas, 383 situavam-se no Norte. E nos distritos de Bragança, Vila Real e Guarda.
Como um mal não vem só, alguns distritos são também penalizados com o encerramento de centros de saúde, urgências hospitalares e postos de correio.

 

Imagine-se o leitor a viver num destes distritos. No seu agregado familiar tem 4 pessoas: o casal e dois filhos menores. Os serviços essenciais vão-lhe sendo retirados. O seu centro de saúde fechou. A escola onde os seus filhos estudavam desapareceu. Que o mantém nesta localidade? Um amor profundo à terra, às raízes? Ademais, o casal em causa paga os seus impostos como um análogo casal residente em Lisboa, em Aveiro, no Porto. Será legítimo pensar que o estão a mandar para fora do seu torrão natal? Penso que sim. E penso mais, que os pressupostos da sociabilização das crianças, a falaciosa premissa do insucesso escolar estar aliado ao escasso nº de alunos, a promessa então feita e incumprida da criação de mais valências hospitalares em unidades distritais, etc., serviram apenas para ocultar a face dura, cruel, mesquinha e terrífica desta realidade: o virar costas ao interior, a penalização habitual dos mais desfavorecidos, o emagrecimento do sector público sem olhar às vítimas daí advenientes; ou seja, a visão redutora, imobilista e atávica do problema, que foi centrada no eixo meramente economicista dos governos de então.


Depois, os governantes queixaram-se muito do envelhecimento gradual e galopante do país, onde hoje, os jovens, além da precariedade da sua situação profissional, de um mundo laboral adverso à natalidade, não têm, não podem, não querem ter filhos. Até e porque o mundo para o qual eles nascem lhes é profundamente adverso. Não-afectivo. Por outro lado, quando o essencial lhes é negado, como escolas e serviços médicos, porquê tê-los ou sequer, manterem-se numa zona interior que foi votada ao abandono e ao desprezo?

As migrações lusitanas são ancestrais; as dos “ratinhos” paradigmáticas; as de hoje, com a reiterada “fuga” para os centros urbanos é um êxodo, que de tão maciço, se tornou numa calamitosa praga, deixando às urtigas, devastação pelo fogo e misérrimas condições de vida, uma parte do continente português, reduto geriártrico de cidadãos à espera do fim. Porém, tal desrazoável fenómeno não tende a estancar-se e a cicatrizar. Cada vez sangra mais, deixando exangue grande parte do país real, abandonado e em saldo…

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