“…os piteireiros têm licença de se emborrachar.” O João Cota, o Bonifácio e o Fandinga

    Hoje é noite de Passagem de Ano, propícia a uma pequena exuberância, no divertimento e calor da noite. Porém, tenha presente a legislação em vigor: De 0,5 a 0,79 g/l de álcool no sangue, perde 3 pontos, inibição de guiar de 1 mês a 1 ano e multa de 250 a 1250 €. […]

  • 20:45 | Sábado, 31 de Dezembro de 2016
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Hoje é noite de Passagem de Ano, propícia a uma pequena exuberância, no divertimento e calor da noite. Porém, tenha presente a legislação em vigor:
De 0,5 a 0,79 g/l de álcool no sangue, perde 3 pontos, inibição de guiar de 1 mês a 1 ano e multa de 250 a 1250 €.
De 0,8 a 1,19 g/l, perde 5 pontos, inibição de guiar de 2 meses a 2 anos e multa de 500 a 2500 €.
Mais de 1,20 g/l, perde 6 pontos, inibição de 3 meses a 3 anos e já incorre em crime punível com pena de prisão até um ano, multa até 120 dias e valor da coima a definir pelo tribunal.
E atenção, se tem carta há menos de 3 anos o limite máximo é de 0,2 g/l.
Ou seja… beba mas não conduza ou se conduzir… não beba, pela sua rica saúde.
 
Aquilino, em “O Livro do Menino Deus” tem uma página deliciosa a propósito dos três “borrachos” da aldeia, o João Cota, o Bonifácio e o Fandinga, uma triste realidade de um passado com meio século e muita miséria..
Passamos a citar o Mestre:
“Na aldeia, de resto, não há bêbados, o que se chama digna e profissionalmente bêbados, obedecendo à cronicidade de se embebedarem um dia, levar a semana de camoeca pegada, e ao cabo remontarem-se logo para a dita como relógio a que se dá corda. São bêbados intermitentes mais ou menos.
Um deles é o João Cota que tomba com menos de meio quartilho. Aos domingos à noite é raro que não ande aos tropeções pela rua, o carapuço sem cor definida amarfanhado na tola, na boca o estribilho: Eu sou mau! Eu sou mau! E, não senhores, não é mau. A sê-lo, é-o apenas nos dias santos da parte para a noite, que no resto da semana não passa dum mansíssimo burro das panelas, incapaz de fazer mal a uma mosca, vergado de sol a sol, sobre a rabiça e a sachola, no amanho das canchas que possui às duas folhas.
O outro bêbado é o Bonifácio cantoneiro, o pedaço dum trabalhador que traz o seu cantão sempre tão bem tratado que, não obstante a balda de devoto de Baco, jamais forneceu ao director ou ao chefe da conservação matéria de peguilho. Todas as manhãs, à hora própria, é infalível com a bandeirola de ferro, que espeta na rampa, o carrinho de mão, a pá e uma sachola, grandes como a escavadeira dos caterpillars. Tira a véstia, tira o colete, quer faça sol, quer sopre o vento galego que leva couro e cabelo, e mãos à obra. Em saibramento, limpar bermas ou afundar, engole hectómetros como uma máquina americana.
À tardinha permite-se visitar o Zé da Bernarda, “o herdeiro do seu dinheiro”, e o aprumo do homem indómito, impecável no serviço, dá em vaza-barris. Vê-se horas depois, ao livor do luar tantas vezes, riscando ziguezagues pela estrada, que andou a acalentar solícita e forçudamente, lançando ao ar uma cantarola sem nexo.
Um terceiro bêbado é o José Fandinga, tamanqueiro de ofício e caçador nas horas vagas. Este padece do delírio das grandezas de par com a mania da perseguição. A sua cegarrega é o veio de volfrâmio que descobriu por arte própria e os cães de Viseu lhe roubaram, e valia mundos e fundos. Se não fora esses piratas, estava podre de rico, a marimbar-se para o bispo e o governo. Contrariado, corre a casa a buscar a espingarda para matar sete. A mulher conhece-lhe o mau génio e as baldas de borracho, e quando lhe não esconde a caçadeira tem jeitos de lhe encravar a espoleta de modo que a arma é menos perigosa nas suas mãos do que uma tranca nas mãos de um inocente. Juram os vizinhos que em tal disposição preventiva estão os dois de concerto e tudo nele é farronca e comédia.
O pitoresco destes pobres diabos nas suas diatribes de pingueiros tem uma triste explicação. Qualquer deles são homens mal comidos. De ordinário, o bêbado da aldeia é o animal alimentado insuficientemente e que um gole de álcool basta para etilizar. E de facto. O passadiço do João Cota é caldo, caldo, caldo. Não diz: vou almoçar ou jantar, como os operários da cidade ou quem preste honra à sua mesa, mas: vou comer o caldo! À excepção das breves semanas quando a salgadeira tem que dar, tanto ele como os mais camponeses não conhecem outras vozes, pois são a expressão da sua verdade. O caldo consiste na água de unto, engrossada com couves, batatas ou nabos, na altura, e migada com centeio.”

Bom, caro leitor e amigo, leia Aquilino e de concreto, esta referida obra, aqui seguida na sua 2ª edição, da Bertrand, a páginas 78/79 e 80.
E tenha Boas Entradas neste 2017 para o qual lhe desejamos muita Saúde e Prosperidade.

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