Os escravos do século XXI

“—Sei apenas duas coisas muito simples, disse Heikal. O resto não tem importância. (…) – A primeira é que o mundo onde vivemos é regido pela mais ignóbil quadrilha de tratantes que alguma vez pisou o chão deste planeta. (…) – A segunda é esta: acima de tudo, convém não os levarmos a sério; é […]

  • 11:26 | Sexta-feira, 25 de Julho de 2014
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“—Sei apenas duas coisas muito simples, disse Heikal. O resto não tem importância.

(…)

– A primeira é que o mundo onde vivemos é regido pela mais ignóbil quadrilha de tratantes que alguma vez pisou o chão deste planeta.


(…)

– A segunda é esta: acima de tudo, convém não os levarmos a sério; é isso que eles querem, que os levemos a sério.”

                                                        Albert Cossery , A Violência e o Escárnio (Antígona)

A “Revista” do último “Expresso” traz uma reportagem sobre os Espírito Santo, intitulada “O Fim de um Regime”, com o seguinte subtítulo Ricardo Salgado acaba mal e acaba só. O grande banqueiro era afinal péssimo gestor, arruinou um grupo familiar de 145 anos e saiu expulso do BES. Mas não há vazios de poder: quem dominará agora? Quem vai ser o Dono Disto Tudo?”

Mais de um quarteirão de anos após ter subido ao poder no banco da família, o senhor DDT aparece em todo o lado como um crápula. Os que o bajulavam invectivam-no; os que o adoravam odeiam-no; os que o louvaminhavam em laudatórias loas destilam tinteiros de cicuta; os que lhe davam primeiras páginas e capas de revista, nacionais e internacionais, procuram as piores fotografias para mostrar o agora rosto do “vilão”; os amigos de ontem são os inimigos de hoje, os fiéis tramaram-se, como Granadeiro com os dinheiros da PT, emprestados para salvar o “amigo & protector”; os conferidores subservientes e cúpidos dos “honoris causa” a metro nem para contínuo o querem; os políticos que rastejavam diante dele com a língua de fora a babar os servis panegíricos, endireitaram – por momentos – as espaldas, franzem o sobrolho, falam grosso e nunca o viram “mais gordo”…

O banqueiro DDT (Dono Disto Tudo) foi conduzido a interrogatória da sua residência na Praceta Espírito Santo, em Cascais, ao Tribunal Criminal de Lisboa, guardado por agentes policiais. Ao fim de seis horas saiu com várias acusações, medidas de coacção e com uma caução “carcerária” de 3 milhões de euros.

Esta saga permitiria muitos estudos sobre psicologia e mais quarenta e tal ciências afins. No fundo e de resto, o comportamento humano em todo o seu esplendor… Hão-de aparecer teses de doutoramento…

No artigo citado há entre outros, estes pontos de reflexão:

Às vezes chamam-lhe ‘mercados’. O credor torna-se accionista à força e vira investidor. É a força mais poderosa que se abateu sobre a economia portuguesa desde 2010, precisamente por sermos devedores. É o credor estrangeiro que está a reconfigurar a economia portuguesa (e a sua política que depois de perder as ferramentas cambial e monetária perdeu agora na prática a liberdade orçamental). É ele que escolhe gestão profissional em vez de familiar, e que prefere sempre fluxos de caixa e qualquer outro tipo de retorno, que pode sempre pressionar o pagamento de dividendos em vez de reinvestimento.” (…) O investidor estrangeiro já tomou conta. A EDP e a Ren são hoje chinesas, a Ana é francesa, o BCP, BIC, ZON e Optimus são angolanos, o BPI é hispano-angolano, o BES há-de ser de quem o quiser, a CIMPOR é brasileira, a PT quer sê-lo, a Galp é apátrida e há dezenas de grandes empresas à venda, incluindo hotéis, seguros, saúde e imobiliário do Grupo Espírito Santo, a TAP ou os resíduos do Estado. O sistema mudou porque estava falido. O novo regime fala estrangeiro.” (P.S. Guerreiro)

Assim dito fica-nos mais um excerto de Cossery quando fala do “governador” enquanto ponto culminante do poder local…

Aquele ser atingia um tal grau de trágico disparate que uma pessoa se via obrigada a respeitá-lo. Sozinho, representava de forma magistral a parvoíce dirigente do mundo inteiro.”

O mesmo podemos dizer de quem nos governa. Dos lacaios dos mercados, ou dos credores mundiais que andaram a injectar dinheiro nesta “mercearia” falida. Agora pedem-no. Não há, tira-se ao povo. Tiram-se-lhe os benefícios sociais (desaparece o Estado Social laboriosamente construído), baixam-se-lhe salários e reformas, aumenta-se-lhe o trabalho, sonegam-se-lhe os direitos e exige-se-lhe a maior produtividade. Estamos nas mãos da nova versão dos “negreiros” dos passados séculos XVII e XVIII. Os criados dos negreiros – os mercenários – são os políticos governantes que estalam o látego no ar ou nas costas dos “forçados”, os novos escravos do século XXI. Depois, mais tarde, terão a recompensa doirada… Quando vos pedirem o voto, arranjem um do tamanho, formato e peso de um paralelepípedo.

 

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