O plutocrata da ignorância doirada

Por isso e para lembrar os esquecidos, no Museu Terras de Besteiro, em Tondela, no meio de uma bela sala de um rico palácio, os holofotes iluminam um arado, noutra o barro negro de Molelos...

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  • 14:48 | Sábado, 15 de Maio de 2021
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“Nenhum de nós tinha a mais pálida ideia sobre a fundição de metais, o fabrico de peças, a síntese de matérias plásticas, etc. Já para não falar de coisas mais recentes, como as fibras ópticas e os microprocessadores. Vivíamos num mundo formado por objectos cujo fabrico e manutenção nos eram inteiramente estranhos.”

Houellebcq, M. “Plataforma”, 2021


 

Esta reflexão de Houllebecq, o controverso escritor francês associado à extrema-direita (o que em nada nos impede de o ler, pois não usamos antolhos), é paradigmática da evolução (?) humana.

O homem que, perante as realidade do seu quotidiano e as necessidades daí decorrentes, no contacto directo com as matérias, forjava o material para as trabalhar e conseguia o produto final, saído de suas mãos, que dava resposta às ferramentas da sua sobrevivência, a roda, o machado de sílex, o ferro… passou ao homem que precisa de tudo, mesmo do que nunca usa ou usará, o tudo que lhe é vendido num acto cúmplice de consumismo acatado, o homem-acumulador que aceita que outros destruam maciçamente para lhe construírem os adereços acessórios e dispensáveis, ignorando de que se compõem, quantos florestas se destruíram para o obter, quantos animais foram extintos para o ter.

Ademais, na sua insciente consciência ( o que quer que tal seja…) manifesta-se cronicamente contra os ecocidas, conta os poluidores, contra os “arrasadores” de um planeta para dar resposta à ganância e à ávida sociedade do “tem-tem”.

O afastamento do homem de hoje da manufactura e da sua realidade afasta-o também da compreensão do mundo e da sua mais elementar construção. Ademais, o tempo da madeira, da pedra, do barro, do ferro…, excluiu-se de tal forma do homo modernus que aquilo que vulgarmente era feito por um marceneiro se tornou rara peça de arte, o mesmo pelo pedreiro, pelo oleiro, pelo ferreiro…

O ter superou o fazer e está hoje ao alcance de um netclic e de um cartão de crédito.

O homem esqueceu as origens e tornou-se o alarve possidente ou até plutocrata da ignorância doirada. O homem de hoje já nem carece das mãos para trabalhar. Basta-lhe o indicador direito…

Por isso e para lembrar os esquecidos, no Museu Terras de Besteiro, em Tondela, no meio de uma bela sala de um rico palácio, os holofotes iluminam um arado, noutra o barro negro de Molelos…

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