Confesso que um manguito é pouco

De súbito, a “peste”, que já foi negra, espanhola, bubónica… é agora, segundo alguns, também vermelha. E ao ganhar a cor do sangue, quer ganhar também a cor do boomerang populista dos demagogos de circunstância.

Texto Paulo Neto Fotografia Direitos Reservados (DR)

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    • 22:27 | Segunda-feira, 20 de Abril de 2020
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    Confesso, sem qualquer sentimento de culpa – que é sempre falta… – ter deixado de acordar ansioso para saber os últimos números da pandemia. Não é indiferença, antes saturação. O vírus mudou as nossas vidas. O palratório sobre o vírus vulgarizou-o, e ao vulgarizá-lo tornou-o mero ruído comum, logo, público, grupal, global. Além disso, invasivo.

    De súbito, a “peste”, que já foi negra, espanhola, bubónica… é agora, segundo alguns, também vermelha. E ao ganhar a cor do sangue, quer ganhar também a cor do boomerang populista dos demagogos de circunstância. Uma trágica diversão psitacista.

    Os líderes mundiais, os mais patetas e poderosos – talvez hoje seja preciso ser pateta para ser líder – manipulados por ninguém sabe quais interesses, assemelham-se a garotos no recreio da escola primária a ver quem lança o “xixi mais longe”.


    “Tu tens menos ventiladores do que eu. Eu tenho menos mortos que tu. Ele soube antes de mim. Eu tenho tudo controlado. Tu ainda andas à nora. Os culpados são eles…”

    Certo sendo é que, todos eles, têm mais máscaras na cara que o povo no rosto. Talvez afinal este seja o tempo das máscaras. Não para preservar das bactérias voadoras, apenas para encobrir hediondas verdades e inocências perdidas, tornadas esgares alvares. Há rostos só admissíveis com máscaras.

    O “manda-chuva” de Brasília – ah que saudades eu tenho do grande Zé Carioca, do Vinícius, do Amigo da Onça e da Elis Regina! – exumou um decreto do tempo da ditadura que diz ser “ótchimo” para os dias que correm: legaliza a tortura e ressuscita a censura.

    Nada de novo na marioneta dos ricos aflitos com o MST, que o elegeram para o Olimpo pela berraria que fazia no senado, ou lá onde aos saltos representava suas rábulas.

    Os ritos têm a função de sacralizar os actos. Ou melhor, de os revestir de um cerimonial para além da sua verdadeira essência, concedendo-lhes assim uma mística que se concelebra nas vestes, nas armas, nas paradas, nos sons e nos tons, nas hierarquias, bandeiras e símbolos, nas elites, nas presenças e nas ausências…

    Dar o exemplo foi prática caída em desuso. Por isso, os governantes, ou talvez só o presidente da AR – ancho em recorrentes polémicas, talvez por há muito ter pedido o prazo de validade – esqueceu-se de que a “casa da Democracia”, lugar onde os representantes do Povo têm assento, deveria ser domicílio do modelo – já que não é o de virtudes – nas celebrações do NOSSO 25 de Abril, não o rebaixando à corriqueirice do “fait divers” e do chão da rua.

    No contexto de doença e morte colectiva, quando se decretam atitudes de salvaguarda dos cidadãos, aqueles que não podem velar os seus mortos que partem por risco de contágio, insistir em rituais onde se pratica tudo o que se proíbe, é uma tolice ou bobagem à Teodorico Bezerra, do coronelismo ou mandonismo nordestino. Se o 25 de Abril falasse saberia dizer NÃO e fugiria a correr do enfatuamento balofo de S. Bento.

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