A retórica vazia do poder

Primeiro, nenhuma luta é sagrada, sendo geralmente bárbara e impulsionada pelos mais vis motivos. A autodesignada luta sagrada, tem o rosto dos mais sanguinolentos fundamentalismos e é feita em nome de divindades que nunca as preconizaram. Segundo, a guerra que a Rússia desencadeou com a invasão da Ucrânia, país soberano, porque nada tem a ver com Deus, religião ou cultos religiosos nada tem de sagrado, antes, nesta dicotomia contextual, sendo absolutamente profana.

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  • 20:14 | Quinta-feira, 14 de Setembro de 2023
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No encontro destes dias em Moscovo do líder norte coreano com o seu homólogo russo, Kim Jong-un, entre outras luzidias “pérolas” retóricas saiu-se com esta tirada:

“A Rússia está atualmente a travar uma luta sagrada contra as forças hegemónicas para defender os seus direitos soberanos, a sua segurança e os seus interesses.

A República Popular Democrática da Coreia sempre manifestou o seu apoio total e incondicional a todas as medidas tomadas pelo governo russo e aproveito esta oportunidade para reafirmar que estaremos sempre ao lado da Rússia na frente anti-imperialista e na frente da independência”, assim falou Kim Jong-un.


Primeiro, nenhuma luta é sagrada, sendo geralmente bárbara e impulsionada pelos mais vis motivos. A autodesignada luta sagrada, tem o rosto dos mais sanguinolentos fundamentalismos e é feita em nome de divindades que nunca as preconizaram. Segundo, a guerra que a Rússia desencadeou com a invasão da Ucrânia, país soberano, porque nada tem a ver com Deus, religião ou cultos religiosos nada tem de sagrado, antes, nesta dicotomia contextual, sendo absolutamente profana.

As forças hegemónicas aqui trazidas ao discurso, falando da Ucrânia, da Polónia, da Noruega, da Estónia, da Letónia, da Lituânia, da Europa e dos 31 países da NATO, são, no fundo, todos aquelas que, em bloco, se unem contra o intento imperialista/expansionista da Rússia.

A hegemonia sendo a supremacia de um povo soberano sobre outros povos também soberanos, aceita-se com muitas reservas e de algum modo em termos culturais, económicos e nunca em termos militares e/ou de armamento bélico. Ademais, esta hegemonia vê-se hoje no alinhamento da Rússia com a Coreia do Norte e com a China e alguns países emergentes dos BRICS.

Quanto à frente anti-imperalista invocada pelo líder coreano, vindo de um país onde a democracia é um tabu e os direitos humanos uma miragem, acrescida das constantes provocações militares em águas/céus de outras nações e a imparável corrida ao armamento, é uma “boutade” que só mesmo o seu servil povo aceita e digere.

A independência referida, só vista como anedota, pois ela nunca deverá construir-se pela submissão de outros povos soberanos.

Enfim, discursos anchos de significante mas falhos de significado. Meros clichés postos em prática na “langage de bois” que é, hoje, a retórica do “fake”, da denegação e do vazio posta em prática pelos novos e temíveis déspotas da actualidade.

 

(Foto DR)

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Publicado em Editorial