порядок, a “Ordem” russa

Por isso, ao ouvirmos Putin ou ao lermos a imprensa a seu soldo, percebemos que o invasor se transmutou no invadido, o repressor no reprimido, o ameaçador no ameaçado, o agressor no agredido, o vitimador no vitimado, o ofensor no ofendido, o traidor no traído, o usurpador no usurpado, o lobo no cordeiro e por aí fora…

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  • 18:29 | Segunda-feira, 21 de Fevereiro de 2022
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“a escrita |política| funciona como uma boa consciência e tem a missão de fazer coincidir fraudulentamente a origem do facto e a sua transformação mais longínqua, dando à justificação do acto a caução da sua realidade. Aliás este facto de escrita é próprio de todos os regimes de autoridade; é aquilo a que poderíamos chamar a escrita policial; conhecemos por exemplo o conteúdo eternamente repressivo da palavra ‘Ordem’.”

Barthes, R. O Grau Zero da Escrita, ed. 70, 1973

 


Basta lermos Barthes para percebermos que determinada linguagem política oficial não tem nenhum “valor de comunicação, apenas de intimidação”, pois nela “as palavras têm uma relação nula ou contrária ao seu conteúdo.” *

Por isso, ao ouvirmos Putin ou ao lermos a imprensa a seu soldo, percebemos que o invasor se transmutou no invadido, o repressor no reprimido, o ameaçador no ameaçado, o agressor no agredido, o vitimador no vitimado, o ofensor no ofendido, o traidor no traído, o usurpador no usurpado, o lobo no cordeiro e por aí fora…

 

 

 

Esta apropriação vil da linguagem há muito faz escola, com principal incidência em políticos cuja “ideologia” faz cama na mentira e das “fake news” faz verdades piedosamente consumidas e ruminadas por milhões de fiéis servidores. Donald Trump é disso exemplo. Hitler, com o seu ministério da Propaganda, foi “exemplar” na matéria.

O “neo-czar russo” acolitado pelos seus radicais separatistas, num desrespeito pleno pelas decisões de um estado soberano, Putin que à palavra “Democracia”, tirou o povo para a reescrever como “Autocracia”, aparece agora preocupado com os habitantes do país que ameaça e com os ameaçadores separatistas vizinhos, quando, no fundo, se está bem “borrifando” para tal, numa longa tradição de desrespeito pelos direitos humanos que teve o seu auge com outro “czar”, José Estaline, e dando “a um real cínico a caução de uma moral nobre”, faz da interesseira e oportunista geoestratégia política uma questão global à espera do mínimo pretexto às constantes provocações para causar a pior guerra mundial desde o conflito de 1939-45.

Acabou por fazer do aparato bélico o substrato do seu discurso e o léxico do seu reclamado pacifismo. A táctica da intimidação que pratica está a ter gravosas consequências na economia mundial, servindo também de pretexto aos ridentes agiotas do planeta para fazerem disparar em flecha os preços dos combustíveis, da electricidade, do gás e de todos os seus naturais correlatos.

Putin não ameaça a Ucrânia, ameaça o mundo livre, ameaça os direitos humanos, ameaça as democracias à escala global, porque lhe desagrada e não lhe convém nada, ter a NATO em seu redor…

 

 

A anexação da Crimeia, república autónoma da Ucrânia, pelos russos, na região do Mar Negro e do leste europeu em 2014, está na origem deste conflito e da disputa geopolítica pela importância estratégica que este território representa para ambas as nações.

 

  • Barthes, R. Mitologias, ed. 70, 1978

(Fotos DR)

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