Teivas. Como se reinventa o amor. (A propósito das “Cavalhadas” de Teivas)

Não se medem aos palmos, os homens, diz o povo, que é pródigo em saberes, e não se mede em palmos o tamanho das aldeias, mede-se pelo coração a grandeza dos homens e o perímetro da aldeia terá sempre a dimensão da grandeza de alma de quem dentro dele habita. Assim acontece com Teivas, povoado […]

  • 14:24 | Sábado, 31 de Maio de 2014
  • Ler em 2 minutos

Não se medem aos palmos, os homens, diz o povo, que é pródigo em saberes, e não se mede em palmos o tamanho das aldeias, mede-se pelo coração a grandeza dos homens e o perímetro da aldeia terá sempre a dimensão da grandeza de alma de quem dentro dele habita. Assim acontece com Teivas, povoado antigo, pequenino que fosse, terras de cultivo, como todas as terras foram em sua origem, oliveiras em vale abrigado e o pinheiral no alto, resguardo e fronteira, e um ribeiro que não mereceu um nome como o Tejo mas que é tão importante para a aldeia como o Tejo é para Lisboa porque foi ele que regou as hortas, que teve moinhos de moer e teve e tem ainda rãs a cantar coisa que o Tejo não tem nas margens de Lisboa. Passou nos seus caminhos gente romana e goda, que foi esta talvez que ali deixou a primeira semente, e depois os árabes de que ficou a lenda da mourinha que ninguém, felizmente, retirou do encanto do penedo e os cristãos no fim, S. Sebastião foi escolhido para os guardar, ainda lhe fazem a festa em Janeiro, já são cristãs as campas que chamam de mouros, por mais que remotas sejam e cristãs são as Alminhas e o Cruzeiro e a tradição do Magusto de S. Nicolau, em Dezembro.

Agricultores, já se disse, que eles foram, artesãos também, em simultâneo, no geral. Mas a aldeia orgulha-se desse ofício antigo, dos fazedores de telha, dos tijolos e dos testos de panela. E não podem deixar morrer estas memórias antigas, as dos carros de barro, os bois e os homens no demorado e penoso amassar, o forno ardendo na extensão da noite sob cautelosa vigilância e os carros de bois que transportavam pela Beira fora as carradas de telha mourisca. Que foi ali que se fez a telha que cobriu talvez a casa de Grão Vasco na cidade de Viseu e o Paço onde habitou D. Miguel da Silva, os solares de alguns fidalgos e as modestas mansões. Teivas tem de lembrar isso. Que este património é tão importante como as Cavalhadas que inventaram mais tarde como festa. Eu digo inventar, porque assim acontece, por norma, com as tradições que um dia se costumam fixar. Valem por isso, pela poesia, pelo amor e não pela história de 300 anos que talvez nem possam ter.

As Cavalhadas de Teivas, que assim designaram a sua festa maior, talvez remeta para as festas de Verão, de S. João, das fogueiras, da música, do bailarico, da folia que caracterizou sempre essa época de solstício quando os frutos se anunciam promissores, quando os ribeiros ainda vão fartos de água, quando o grão se aloura nas courelas do alto. E os cantares e os tunantes que vadiavam pelas ruas, divertidos, com o instrumental da época foram mais tarde, não se sabe bem quando, tocados pelas influências culturais que volveram do Brasil marcadas pelo colorido dos trajes do Nordeste, pelo vivacidade da música que distraia os caboclos nas festas sãojoaninas ao findar do trabalho, pela cenografia movimentada dos pares em rodopio. Assim nasceu a Dança da Morgadinha, esse cartaz turístico que encerra o cortejo alegórico dos carros que sobe à cidade, homenagem e mensagem em simultâneo de um pequeno povo que não deixa por mãos alheias pergaminhos antigos, o trabalho ou a festa, a memória com seus símbolos poderosos, a afirmação de que são gente, a afirmação de que são povo, como os demais.


Gosto do artigo
Publicado por
Publicado em Cultura