Várzea de Calde: O “toco de S. Francisco”

Várzea de Calde é uma aldeia onde gosto de voltar. Quanto mais não seja para abastecer de água, na Fonte de S. Francisco, os garrafões que em casa matarão a minha sede.

  • 20:28 | Sábado, 07 de Outubro de 2017
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Várzea de Calde é uma aldeia onde gosto de voltar. Quanto mais não seja para abastecer de água, na Fonte de S. Francisco, os garrafões que em casa matarão a minha sede. Razão que ali me leva, somada a outras, como a de rever o “museu”, esse mágico retrato da aldeia que eu chamei “Casa de Lavoura e Oficina do Linho”, nome que, graças a Deus, ninguém alterou até hoje. Ou seja tão só para a aceitar o “café” que sempre me oferecem nos familiares estabelecimentos da terra, para os dois dedos de conversa com os amigos que ali mantenho, que muitos são para nomear, para ouvir o bater de tantos teares que ali se mantêm e ouvir os cantos do arranque do linho ou das fiandeiras em seu labor, ou os cantos dos “Martírios do Senhor” que há muitos anos escuto em noites quaresmais.

Várzea é para mim este sentir de humanidade, é a paisagem fresca do rio e da ribeira, os caminhos vicinais bordejados de arvoredo ou de parreiras, as poldras, o lagar dos mouros cavado num outeiro, os moinhos, os nichos de Almas, os Cruzeiros, a mesa posta nas pedras de uma eira quando se acaba do linho a sementeira.

Várzea é uma honrada guardiã da tradição, que o diga o cantar das tascadeiras, as “modas” do seu Rancho de Cantares, que o digam os homens que cantam os Martírios do Senhor, o pregoeiro do leilão de S. Francisco e os mordomos da sua festa, a 4 de Outubro e o estranho arraial da noite antecedente a que a gente dá o nome de “Toco de S. Francisco”.


Tem ressaibos de antigo, o ritual, o Toco de S. Francisco e, se perguntarmos, dir-nos-ão que vem já do tempo dos avós.

Era Festa dos Rapazes e ainda é. Juntam-se no Adro da Capela de S. Francisco mal o sol se esconde no Outono já entrado e, ano sim, ano não, sobem caminhos de montanha ou descem à ribeira, levam com eles, puxado à mão, um carro de bois e, ao jeito de roubo ritual, carregam o carro com pesados troncos de pinheiro.

Regressam ao Adro em viagem demorada, ombros de uns tantos encostados ao chedeiro, uma cadeia de braços dos restantes rompendo adiante, sustendo a avantajada carga que avança, lenta, ao sabor desse ritmado canto que semelha o canto dos velhos pedreiros – oh!…oup!… oh!… oup!…

Quando se ouve, na aldeia, o eco do conhecido vozear, os vizinhos correm para o Adro.

Os rapazes armam os troncos no chão empedrado e em breve sobem as labaredas da fogueira, dança-se em roda, abrem-se toalhas, partilha-se pão e vinho e a noite escoa-se igual às noites de sempre, que é antiga esta noite que precede, no tempo, a noite solsticial.

Na manhã seguinte as mordomas da Capela irão varrer o chão já que a horas de meio-dia por ali passará a procissão.

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