Os egomaníacos

Em 1944, falou apenas duas vezes à população alemã, pela rádio, como se não lhe coubesse explicar a destruição do país, na qual tantos participaram com alegria,

  • 20:13 | Domingo, 12 de Abril de 2020
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Apesar do curso catastrófico da guerra para os alemães, Hitler abriu o ano de 1944 com um discurso confiante, no qual cada vez menos pessoas acreditavam. Garante a derrota do bolchevismo e que os aliados não conseguirão desembarcar em França. Os desastres militares continuavam a ser, na sua cabeça, o produto de traições. É impossível que a teimosia não lhe adviesse de um defeito de percepção da realidade. Os especialistas dizem que ele continuou a crer na vitória pelo menos até ao Verão deste ano. Goebbels escreveu no seu diário, em início de Junho, as seguintes palavras admirativas: «A certeza com que o Führer acredita na sua missão é impressionante.» E estava longe de ser o único a sentir isso. O optimismo não passava já de uma ilusão, que se mantinha à custa de obstinação e inflexibilidade. A indolência com que, durante anos, pudera lidar com a realidade política e militar da Alemanha tinham terminado.

Era agora um homem obsessivo, esgotado por jornadas infindáveis de labor, sem disponibilidade para mais nada além da guerra. Dormia pouco, tomava as refeições no quarto, reunia-se com as chefias militares e isolava-se, tendia para os monólogos infindáveis, não saía da fortaleza, entediava os colaboradores com a repetição de episódios da sua vida, a saúde claudicava, envelheceu, caminhava encurvado, não controlava os tremores do braço esquerdo, tomava vinte e oito comprimidos por dia, a anomalia cardíaca agravou-se, tornou-se evidente a doença de Parkinson.

O estado mental é que não mudou. As alterações bruscas de humor reflectiam a tensão em que vivia. O instinto de jogador, que, na perspectiva informadíssima de Ian Kershaw, lhe haviam dado as vitórias políticas e militares até 1941, agora só podiam agravar a sua situação e a da Alemanha. Os jogadores compulsivos não aceitam a derrota e persistem em «cartadas perdedoras». O jogador por vício nunca desdiz a egomania que o torna convincente. Perante o precipício da derrota, continua a culpar os outros e a morrer, se for preciso, culpando os que, na sua visão doentia, o atraiçoaram.


Em 1944, falou apenas duas vezes à população alemã, pela rádio, como se não lhe coubesse explicar a destruição do país, na qual tantos participaram com alegria quando a vitória parecia certa, prestando-se a ver a Europa como uma extensão colonial da Alemanha.

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