A banca inconformada do Mestre…

O que é certo é que só em adulto me dei conta da ilimitada geografia imaginária que lá se retinha. Depois desta cartografia já não se encontrar na mesma divisão de onde agora vos escrevo.

  • 14:47 | Sábado, 18 de Março de 2017
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Quando era pequeno entrava a medo no escritório de meu avô Aquilino. Nunca cheguei a conhecê-lo, mas intui de verdade o espaço onde montara a sua banca inconformada e onde trabalhava quase de sol a sol.

Um dia o historiador José Manuel Tengarrinha confidenciou-me que quando passava pelo bairro de S. Miguel e via a luz emanante deste escritório dizia sempre para quem o acompanhava: “- lá está o mestre a criar!”.

Depois da sua morte assim ficou incólume durante anos a fio. Era uma sala preenchida por milhares de livros, tantos que faziam lembrar um mar temeroso e forte, daqueles que lemos nas páginas de Conrad, e que quase nos levam a receber a água gélida que atiça a ferocidade da lenda do Cabo Horn.


Talvez fosse este ruído silencioso que me fazia recear entrar nessa gruta imensa de livros adormecidos em casa da minha avó Gigi.

O que é certo é que só em adulto me dei conta da ilimitada geografia imaginária que lá se retinha. Depois desta cartografia já não se encontrar na mesma divisão de onde agora vos escrevo.

Estando este admirável acervo na Fundação Aquilino Ribeiro (FAR), na Soutosa / Beira Alta, sugeria-vos que a visitassem e se perdessem num espaço infinito sonhado por alguém que sempre amou os livros como se fosse a mais bela construção dos nossos sonhos. E assim, sentir aquilo que tantas vezes o beirão sonhou acordado ao folhear as páginas dos seus livros: “eu podia estar fechado numa casca de noz e sentir-me rei de um espaço infindo“(Hamlet).

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Publicado em Cultura