Pedro, o Grande e o Marquês de Pombal parecem viver em mundos diferentes mas partilham um traço raro na história europeia do século XVIII. Ambos viajaram, ambos observaram o que faltava nos seus países e ambos regressaram decididos a construir uma cidade que fosse mais do que um lugar de governo. Pedro o Grande percorreu a Europa no final do século XVII, de Londres a Amesterdão, dos arsenais navais aos laboratórios científicos. Quando regressou à Rússia fundou São Petersburgo em 1703, cidade nascida dos pântanos do Báltico, com canais e palácios de inspiração europeia, símbolo de uma Rússia moderna e de uma nova ordem social.
São Petersburgo e a nova Lisboa foram cidades criadas antes da Revolução Francesa segundo ideias que antecipavam o espírito do Iluminismo. Pedro obrigou nobres a cortar a barba e a adotar modos ocidentais, Pombal impôs a supremacia do Estado sobre a aristocracia e o clero, ambos geraram uma revolução social que não se proclamava como tal mas que tinha efeitos profundos. Poucos lugares do mundo antes de 1789 traduzem tão bem como estas duas cidades a ambição de transformar a sociedade através da arquitetura e do espaço urbano.
Pedro o Grande, além de czar, gostava de viver como artesão e de se misturar entre trabalhadores. Durante a sua estadia em Amesterdão trabalhou disfarçado em estaleiros navais, aprendendo carpintaria e técnicas de construção naval. Era um homem de contrastes, capaz de condenar com violência os opositores e ao mesmo tempo de se entusiasmar com o detalhe de uma ferramenta. O seu gosto pelo conhecimento prático marcou a própria fundação de São Petersburgo, que desde cedo acolheu academias de ciências e artistas vindos de toda a Europa.
O Marquês de Pombal partilhava essa curiosidade aplicada. Foi ele quem mandou instalar em Lisboa uma das primeiras companhias de bombeiros organizadas, resultado direto das lições tiradas do terramoto. Criou também o primeiro sistema de seguros contra incêndios da capital e aplicou normas de construção sismorresistentes que ainda hoje impressionam. Além disso, tinha uma noção clara da propaganda e sabia que a reconstrução da cidade devia mostrar ao mundo a força do Estado português. Por isso fez gravar mapas, plantas e relatos para circular pela Europa, transformando Lisboa numa vitrina da modernidade que ele próprio idealizava.
Paulo Freitas do Amaral