O Idadismo na política

Nos Estados Unidos houve intensos debates sobre a idade dos candidatos, o “jovem” Donald Trump (79) atacou, sem dó nem piedade, o “velho” Joe Biden (82). A contenda entre os dois acendeu o debate sobre os mecanismos da política americana, geradores de uma putativa Gerontocracia. Há quem considere o senado, “a residência geriátrica mais privilegiada do país.”.

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  • 19:55 | Sábado, 23 de Agosto de 2025
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O idadismo, atitude de discriminação e preconceito com base na idade, está profundamente enraizado na sociedade portuguesa.

É uma discriminação socialmente aceite, incontestada, invisível, insidiosa, disseminada. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma em cada duas pessoas já teve atitudes idadistas em relação às pessoas mais velhas.

Quando abordamos a relação do idadismo com a política, resulta claro que as pessoas mais velhas tendem a ser excluídas da tomada de decisão e do desenvolvimento das políticas, limitando a sua participação na sociedade.


Não resisto a enunciar um dos mantras do meu mestre, Alexandre Kalache (“pai” do paradigma do Envelhecimento Ativo e Saudável e das Cidades Amigas das Pessoas Idosas), “Nada Para Nós Sem Nós!”. Outra dimensão é a idade dos políticos. Há uma idade ideal para ser político? Há a tentação de ostracizar os jovens, nada têm para dizer, numa lógica de “já a formiga tem catarro” e de afastar os mais velhos porque “burro velho não aprende línguas”, está fora do prazo de validade, não tem nada a propor para o futuro. Nos Estados Unidos houve intensos debates sobre a idade dos candidatos, o “jovem” Donald Trump (79) atacou, sem dó nem piedade, o “velho” Joe Biden (82). A contenda entre os dois acendeu o debate sobre os mecanismos da política americana, geradores de uma putativa Gerontocracia. Há quem considere o senado, “a residência geriátrica mais privilegiada do país.”.

O jornalista do Público, Manuel Carvalho, diagnosticou algo de parecido no artigo “Este PS é para velhos” (31/07/2025), referindo-se à formação do Conselho Estratégico do Partido Socialista nos seguintes termos:

“Um Conselho Estratégico situado algures entre os hóspedes de um lar e a respetiva família (o PS) não augura estratégia nenhuma.”

A fotografia de família do Conselho Estratégico do PS é um compêndio da política portuguesa digno do Canal História. Um retrato acabado do estado catatónico do partido de Mário Soares.

A fúria idadista do jornalista teve a resposta de um dos alvos, o ex Ministro José Vieira da Silva, no artigo “Em estado de velho”, publicado no mesmo jornal (19/08/2025):

“Os “velhos” e os “jovens” são alvos preferidos, frequentemente associados a estereótipos banais, vazios de conteúdo ou meramente retóricos. Quantas vezes ouvimos a ladainha de que “os jovens são o futuro” e os velhos “já deram tanto?”

“Começando pelo conceito de pessoa “velha”. Lamento que se tenha tornado quase sinónimo de “desconsideração”. Como o faz Manuel Carvalho, ainda que com a condescendência de um “jovem” para “hóspedes de lar?

“Continuo a admirar quem não se resigna ao tempo em que vive e ao tempo que tem.”

Não é raro ver idadismo em quem avalia os que assumem compromisso políticos (a tal “classe política”), mas duvido que uma lista de destacados jornalistas do grupo etário do citado Conselho, chamada a refletir sobre o futuro da comunicação social, merecesse de Manuel Carvalho idêntica apreciação. Mas esse é um sinal dos tempos.”

Considero, porque o acompanho no público e no comentário televisivo, Manuel Carvalho um jornalista de referência. Também por isso, não posso deixar de expressar a minha estupefação e rejeição pelos argumentos que decidiu usar para criticar a ausência de jovens no Conselho Estratégico do Partido Socialista. Concordo com Vieira da Silva, a argumentação é claramente idadista, preconceituosa e estereotipada:

“Pergunta-se o que tem o grosso daquela galeria de gente respeitável e simpática a dizer sobre um futuro que seguramente já não lhes pertence. (…) ao transformar-se quase em exclusivo no parque geriátrico comandado por um intelectual de primeira água que se transformou no “faz-tudo” da política portuguesa, o Conselho ancora-se demais no passado que trouxe o PS para este beco de difícil saída. Sem juventude, sem rasgo, sem risco, sem ousadia, o PS dificilmente poderá recuperar a sua aura nestes tempos em que a política privilegia o novo, ainda que muitas vezes um novo contaminado pelo ranço da história.”

Não vou fazer análise política nem contribuir para o idadismo (vitimizando os jovens), mas, há não muito tempo, houve (muitos deles jornalistas) quem acusasse os “jovens turcos” do PS da desgraça em que caiu o partido nas últimas eleições legislativas…

Caro Manuel Carvalho, permita-me dizer-lhe que o rasgo, o risco e a ousadia não são um exclusivo dos jovens. Sim, há jovens empreendedores, criativos, “rebeldes”, o que é excelente. Mas, como jornalista, num breve trabalho de pesquisa, sugiro-lhe a leitura do estudo da RandstadEmpreendedorismo: o mito da idade”: “Esqueçam tudo o que ouviram dizer sobre génios de 22 anos, sentados em escritórios nas suas startups de Silicon Valley. Ainda que as boas ideias possam surgir em qualquer idade, é preciso experiência para que se transformem em histórias de sucesso.”

“Bill Gates e Jeff Bezos, por exemplo, tiveram mais sucesso aos 50 anos do que aos 20.”

Não discordo de Manuel Carvalho no objetivo que tem de chamar a atenção para a falta de representatividade dos jovens. Esta opção, sim é um erro. Qualquer Conselho que não seja intergeracional perde a qualidade estratégica que a diversidade etária e geracional proporcionam. É essencial partilhar espaços de tomada de decisão e opinião, incluindo as diferentes perspetivas das pessoas com base na idade, perfil, expectativas. Acredito que incluir apenas pessoas mais velhas é um erro, tal como seria incluir apenas jovens.

Caminhamos, a passos largos, para um ato eleitoral importantíssimo, as eleições autárquicas que não estão imunes ao idadismo. O ativismo de sofá e das redes sociais, potencia ataques pessoais sob o anonimato de perfis falsos, numa espécie de vale tudo. Atacar um (a) candidato (a) pela sua idade, porque é muito jovem ou demasiado velho, é um erro e pode revelar incapacidade para debater o que verdadeiramente importa, ou seja, as propostas políticas, os projetos, a qualidade das equipas, o conceito de cidade atual e futuro, o desejável modelo de comunidade inclusiva.

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Publicado em Opinião