Durante décadas, muitos recusaram a herança política de Diogo Freitas do Amaral. Chamaram-lhe centrista com desdém, institucionalista com impaciência, democrata com desconfiança. Mas as urnas falaram — e o mapa político do país revelou uma verdade incómoda e incontornável: toda a direita democrática portuguesa está hoje à esquerda do Chega.
Não se trata de uma interpretação, mas de um facto. Todos os que respeitam o Estado de direito, a dignidade do adversário e a ética da responsabilidade estão, objetivamente, a milhas do populismo tóxico que cresce à sombra da frustração coletiva. E é nesse exato ponto que o país se reencontra, talvez sem o saber, com a visão que Freitas do Amaral deixou como legado: a de uma direita civilizada, europeia, humanista, moderada — e profundamente democrática.
Ele foi muitas vezes atacado por estar entre dois mundos. Mas hoje, quem não grita, quem não odeia, quem não joga com o fogo da revolta, está precisamente onde ele sempre esteve. No centro. No espaço do diálogo. No terreno da construção.
Cinquenta anos depois da fundação da nossa democracia, o veredito da história impõe-se com ironia: se não votou Chega, se se indignou com o tom dos debates, se recusou o ódio como forma de ação política — parabéns. Sem saber, está no campo da moderação. Está, talvez, mais próximo de Freitas do Amaral do que de qualquer outro nome que hoje se queira associar à direita.
Mas há uma herança que vale a pena sublinhar, porque é silenciosa e, no entanto, profunda: o maior legado de Freitas do Amaral foi ter civilizado a direita portuguesa e permitido, com isso, que a nossa democracia resistisse e se consolidasse durante mais de quarenta anos. Ele fê-lo recusando o revanchismo, afastando o radicalismo e mostrando que era possível ser firme sem ser fanático, patriota sem ser reacionário, e conservador sem deixar de ser democrático.
Esta pedagogia da convivência foi talvez o seu maior feito político — mais importante do que qualquer cargo, mais duradouro do que qualquer eleição. Ao colocar a direita portuguesa dentro da moldura democrática europeia, ajudou a tornar possível aquilo que hoje tomamos por garantido: um regime em que os extremos foram, durante muito tempo, marginais. Um país que aprendeu a discordar dentro de regras, com decência e com respeito.
Porque no fundo, mesmo sem o querer, agora somos todos Freitas.
Mesmo os que ainda não o admitem.
E ainda bem.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor
(Foto DR)